São Paulo, quarta-feira, 28 de setembro de 1994
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A irritação de Fernando Henrique

GILBERTO DIMENSTEIN

BRASÍLIA – Fernando Henrique Cardoso mostrou-se ontem irritado com uma pergunta do repórter da Folha Emanuel Neri, classificando-a de "má-fé". Recusando-se a responder, ele disse que a obrigação do repórter era fazer perguntas "certas". Vejamos.
O candidato recebeu apoio ontem do virtual governador de Alagoas, Divaldo Suruagy, maior inimigo de Fernando Collor em seu Estado. Mas estava acompanhado de João Tenório, presidente dos usineiros de Alagoas que, por seu envolvimento com a arrecadação de fundos promovida por PC Farias, viu seu nome na CPI do impeachment.
O repórter quis saber como Fernando Henrique se sentia obtendo aquele tipo de apoio –afinal, em seus livros e discursos, ele não poupou (e com toda razão), a oligarquia nordestina, habituada a seculares mamatas e nutrida por odiosos esquemas de manipulação política.
Compreensível que o candidato se aborreça com a pergunta. Todos os seus movimentos de marketing perseguem retocar sua imagem, arranhada com as alianças à direita. Nesses movimentos, colheu conquistas, ao aparecer ao lado de sólidos símbolos como Gilberto Gil, Caetano Veloso ou d. Paulo Evaristo Arns.
O candidato, até aqui, tem-se safado bem dos ataques sobre suas novas companhias. Não devido apenas ao marketing, claro, mas porque tem uma história vinculada à resistência democrática. Mas ele sabe que, se vitorioso, terá de responder no dia-a-dia às alianças que o ajudaram a chegar ao Palácio do Planalto.
Pegue-se o caso dos usineiros. Vão continuar as mamatas, sustentadas pelo contribuinte? E os subsídios fornecidos a empresários que aplicam mal ou desviam os recursos impunemente? Algum responsável pela indústria da seca vai para a cadeia?
Se eleito e, ao final de seu mandato, Fernando Henrique não tiver ajudado a mudar as estruturas políticas e econômicas do Nordeste, de pouco terá valido seu mandato. Até porque, se a miséria é prioridade nacional, o Nordeste também é prioridade nacional.
Para isso, terá necessariamente de brigar com uma boa parte de seu palanque.

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