São Paulo, segunda-feira, 2 de janeiro de 1995
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FHC quer ser 'abolicionista da miséria'

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR-EXECUTIVO DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Ao discursar ontem, no Congresso, durante a solenidade em que tomou posse como presidente do Brasil, Fernando Henrique Cardoso conclamou a sociedade a ajudá-lo a promover uma "revolução social e de mentalidades".
Ele estabeleceu uma comparação entre a escravidão e a miséria. Apresentou-se como uma espécie de abolicionista moderno, um novo Joaquim Nabuco.
A diferença é que Nabuco, apresentado no discurso como o "grande propagandista do abolicionismo", não detinha propriamente um "mandato" para livrar os negros das correntes.
Em situação distinta, Fernando Henrique considera-se dono de uma delegação para libertar os novos escravos, que chama de "excluídos".
Segundo o raciocínio construído pelo 'abolicionista" tucano, os "excluídos" são subjugados não mais pelos grilhões dos senhores de engenho, mas "pela fome, pela doença, pela ignorância, pela violência".
Fernando Henrique disse que seus votos vieram, "em grande número", das camadas mais pobres da sociedade, dos "brasileiros mais humildes". E é com essa fatia do país que se considera mais compromissado.
"Vou governar para todos. Mas, se for preciso acabar com privilégios de poucos para fazer justiça à imensa maioria dos brasileiros, que ninguém duvide: eu estarei do lado da maioria", disse, arrancando aplausos dos parlamentares e convidados presentes ao Congresso.
Ufanismo e realismo
A fala do novo presidente oscilou do mais profundo ufanismo -"com absoluta convicção eu digo: este país vai dar certo"- ao realismo pragmático -"sem que o Congresso aprove as mudanças na Constituição e nas leis e sem que a opinião pública se mobilize, as boas intenções morrem nos discursos".
Fernando Henrique considerou eliminada a "superinflação". Referiu-se à atmosfera de estabilidade econômica como algo permanente e não mera "questão de esperança" ou "euforia passageira".
Reservou afagos ao desde ontem ex-presidente Itamar Franco: "Devemos isso (o fim da superinflação) não só aos que refizeram os rumos da economia, mas também ao presidente Itamar Franco, que granjeou o respeito dos brasileiros por sua simplicidade e honestidade". Também neste trecho foi aplaudido.
Otimista como os 70% de brasileiros que, segundo o Datafolha, esperam dele um governo "ótimo ou bom", o novo presidente disse que "a nossa economia é como uma planta sadia depois de longa estiagem".
Anunciou a inauguração de uma nova fase: "Chegou o tempo de crescer e florescer". Foi enfático: "Hoje, não há especialista sério que preveja para o Brasil outra coisa que não um longo período de crescimento".
Fernando Henrique foi declarado empossado pelo presidente do Congresso, Humberto Lucena (PMDB-PB), às 16h41. Deixou o Parlamento às 17h17.
Em seu pronunciamento, falou de temas variados. Foi da economia aos militares, da diplomacia às mulheres, negros e índios. Mas nada mereceu mais espaço nas 21 laudas de sua fala do que a temática social.
Justiça social
"Temos de volta a liberdade. E teremos o desenvolvimento. Falta a justiça social", disse, como que decidido a relançar, em novas bases, o "tudo pelo social" do governo de José Sarney.
Fernando Henrique repisou os temas que embalaram a sua campanha, na forma dos cinco pontos representados pelos dedos da mão: emprego, saúde, segurança, educação e produção de alimentos.
Para ele, o homem deve vir em primeiro lugar: "O verdadeiro grau de desenvolvimento se mede pela qualidade da atenção que um pais dá à sua gente".
Na área educacional, declarou-se contrário à construção de "escolas faraônicas", referência indireta aos Ciacs de Collor. No campo da saúde, disse que dará prioridade à medicina preventiva e não à curativa.
No campo externo, a plataforma de Fenando Henrique dá prosseguimento, também em bases renovadas, ao discurso do ex-presidente Fernando Collor.
"Eu acredito que o Brasil tem um lugar reservado entre os países bem-sucedidos do planeta no próximo século", disse, renovando sua opção pela abertura econômica. "Vamos aposentar os velhos dilemas ideológicos".
Quanto à administração pública, declarou guerra ao clientelismo, ao corporativismo e à corrupção. "Vai ser preciso mexer em muitos vespeiros", ameaçou.

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