São Paulo, terça-feira, 3 de janeiro de 1995
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As reformas e a imprensa

LUÍS NASSIF

Acabou a recessão americana. Os índices de PIB voltaram a subir, o nível de emprego aumentou. Mesmo assim, o eleitor americano infringiu a Bill Clinton a maior derrota já sofrida por um presidente da República em pleno exercício de seu mandato.
Simplesmente porque lá a opinião pública é suficientemente madura para estabelecer relações de causa e efeito na economia. Como os fenômenos econômicos respondem defasadamente a estímulos de política econômica, pode-se simplesmente estar colhendo hoje mudanças plantadas há tempos; e, ao mesmo tempo, estar-se semeando agora a crise futura.
No Brasil, a politização irresponsável da economia a partir do início dos anos 80 –principalmente após o Cruzado– deixou o país desarmado. Que importa um monumental déficit público, se se podem resolver os problemas com passes de mágica?
A cobertura do fim de governo Itamar é prova contundente de que os demônios do Cruzado não foram completamente exorcizados.
A recuperação da economia é processo que vem de 1992 –em cima de eventos ocorridos anteriormente. No seu governo, Itamar praticamente paralisou centros dinâmicos –como as câmaras setoriais–, quase comprometeu a abertura, abriu mão de qualquer veleidade reformista e foi de uma descontinuidade a toda prova. A herança recebida por FHC é pior daquela legada por Collor a Itamar.
Mesmo assim, sai consagrado, deixando o péssimo exemplo de que governar não é dedicar-se diuturnamente a resolver problemas do país, mas simplesmente dar uma tacada e acabar com a inflação inercial no curto prazo.
Cobertura objetiva
Entra-se agora nos 180 dias decisivos na vida do país, que vão definir ou não a viabilidade da grande reforma do Estado. Essa empreitada exige muito da imprensa, como o grande instrumento modernizador contra as resistências corporativistas e fisiológicas que ainda remanescem no país.
Para cumprir com suas responsabilidades tem que se profissionalizar mais a cobertura jornalística. Primeiro, cobrar objetivamente de cada ministro o que pretende fazer –com metas e prazos definidos. Já passou a fase das declarações de intenções e da verborragia inconsequente.
Depois, avaliar o alcance do que está sendo proposto, cobrando ousadia e acompanhando sua implementação –em cima de atos concretos, não de mero impressionismo.
Com as responsabilidades que pesam sobre as costas da mídia, não se pode curvar ao provincianismo de deslumbrar-se com notáveis ou comportar-se como torcida organizada, dividindo os ministros entre simpáticos e antipáticos. A divisão tem que ser entre os que fazem e os que postergam.
Vai-se saber efetivamente quem foram os notáveis e os patriotas daqui a quatro anos, quando FHC passar a faixa para seu sucessor e proceder-se a um balanço objetivo da gestão. Para o bem ou para o mal, a imprensa será co-responsável pelos resultados alcançados.

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