São Paulo, quarta-feira, 4 de janeiro de 1995
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Biografia reduz Sexton a apanhado de traumas

MARCELO REZENDE
DA REDAÇÃO

Aos 30 anos, a americana Anne Sexton já havia passado por um casamento, duas filhas, uma série de amantes, vários psiquiatras e incontáveis tentativas de suicídio. Entre uma coisa e outra, descobriu que podia ainda escrever poemas.
Essa é a Anne de "Anne Sexton - A Morte Não É a Vida", biografia da poeta americana escrita por Diane Wood Middlebrooks, que a editora Siciliano lança agora no mercado brasileiro.
Linda, confusa e espantosamente suicida, Sexton surgiu no cenário da poesia americana nos anos 60, como uma espécie de vingadora de todas as donas de casa da América, que tiveram seus talentos sufocados por casamentos precoces ou uma educação rígida.
Sexton era conhecida como a "única poeta confessional", por recriar em seus oito livros de poemas e em um texto para o teatro os dramas de um cotidiano extremamente comum a seu leitores: a repressão familiar.
Lançada originalmente em 1991, a biografia de Anne é dividida em duas partes. A primeira traz sua vida mundana, mostrando uma mulher casada e desajustada em seu meio. Mostra os graves problemas com seus pais e suas tentativas de suicídio, confundidas com uma depressão pós-parto.
A segunda parte se aprofunda na outra Sexton, capaz de recriar a si mesma e se transformar em uma poeta admirada e bem-sucedida. Mas, ainda assim, fracassando ao tentar resolver seus conflitos através da psiquiatria.
Logo no início de suas 426 páginas, há o prefácio escrito pelo dr. Martin T. Orne, analista de Sexton em seus anos mais difíceis. Sexton começou a escrever poemas por sugestão de Orne, como parte de seu tratamento.
O resultado da biografia é uma tendenciosa tentativa de explicar os poemas de Sexton através de seus problemas mentais. No livro, cada verso se converte apenas no reflexo de um trauma. Para sua biógrafa, sem Freud não existiria a arte da biografia. E nem para Sexton os seus poemas.
Sob os olhos de Middlebrook, os poemas de Anne Sexton continuam a ser parte de seu tratamento psiquiátrico. Assim, os versos de "A Magia Negra" ("A mulher que escreve sente demais,/ tais transes e presságios!/ Como se bicicletas, e crianças, e ilhas/ não bastassem; como carpideiras e faladeiras/ e legumes não bastassem nunca/ ela julga que pode alertar estrelas./ Uma escritora é essencialmente uma espiã.) se tornam apenas fruto de uma relação amorosa frustrada. E não um poema.
O que, enfim, é reduzir uma poeta apenas a um apanhado de seus complexos. E esquecer que, quando finalmente Sexton se matou, em outubro de 1974, asfixiada pela fumaça de seu próprio carro, realizava sua visão da poesia, da morte e do mundo. Além de qualquer explicação racional.
Como nos versos de "Querendo Morrer": "Mas as suicidas têm uma linguagem especial/ como carpinteiros, eles querem saber 'com que ferramenta'/ jamais perguntam o porquê da obra."

Título: Anne Sexton - A Morte Não é Vida
Lançamento: editora Siciliano
Preço: R$ 40,36

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