São Paulo, sábado, 7 de janeiro de 1995
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É tempo de desvalorizar o câmbio

RICARDO BIELSCHOWSKY

É tempo de concentrar esforços de estabilização no óbvio: ajuste fiscal e reforma financeira

A crise mexicana é uma oportuna advertência. Mostra que não se brinca com o setor externo da economia, como estamos fazendo.
O déficit do setor produtivo com o resto do mundo se instala com muita rapidez quando há simultaneidade entre abertura comercial e aguda valorização cambial. A âncora cambial afugenta os investimentos industriais nos setores produtores de bens transáveis internacionalmente, fragiliza a indústria na competição com importados e enfraquece exportações.
Liberalizar e crescer as importações é bom e necessário, desde que com cautelas, entre elas evitar a valorização cambial. Ela faz do Brasil forte candidato a perda de competitividade internacional e a gigantescos déficits como os do México, apesar de todos os ganhos recentes de produtividade. Isso é uma pena, porque estaremos eliminando um trunfo de que poucos dispõem na América Latina, o de poder crescer sem grandes problemas de balança de pagamentos.
A orgia importadora através da qual a ancoragem cambial controla preços domésticos é uma festa que só dura enquanto se dispuserem a nela permanecer os que a financiam, os investidores internacionais de curto prazo. Quando termina, vem a explosão cambial.
Instalada a crise, o problema não se resume a impedir que os capitais fujam: para suavizar a recessão e/ou a desvalorização cambial e sua consequente inflação é preciso que os capitais continuem chegando em grandes volumes, porque o fragilizado setor produtivo nacional leva anos até reduzir suficientemente o desequilíbrio externo.
Com receio dos problemas políticos e sociais internos aos EUA que o desastre mexicano pode causar (Ross Perot, imigração etc.), este sócio rico do Nafta está tentando suavizar a crise, e concedeu, com outros parceiros, um apoio de US$ 18 bilhões ao México. Que razões terão para vir em nosso socorro?
O Banco Central tem de controlar entradas de capitais, não pode ser prisioneiro do mercado financeiro especulativo internacional. Há quem diga que, no fundo, pelo menos no início do real o pessoal da equipe econômica não era entusiasta da valorização cambial e do barateamento de importações como fórmula de controle de preços. Mas estimou que uma inevitável avalanche de entrada de capitais impediria que defendesse a taxa de câmbio a, digamos, um dólar por real, a não ser que se comprometesse totalmente as metas monetárias (com a compra de dólares e a elevação das reservas).
Se foi assim, penso que ignorou soluções óbvias, como a de impor um depósito compulsório de uns 30% a 40% sobre cada dólar que entra. O BC não precisa continuar prisioneiro do mercado, países liberais no comércio, como o Chile, controlam os fluxos financeiros.
Ainda é tempo de desvalorizar o câmbio sem maiores prejuízos para o Plano Real: à diferença do México, o coeficiente importado ainda é baixo e pouco afeta os bens de consumo básicos, e portanto a espiral preços-salários. É tempo de concentrarmos nossos esforços de estabilização no óbvio: ajuste fiscal e reforma financeira.

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