São Paulo, sábado, 7 de janeiro de 1995
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Não levantem a âncora cambial

JOAQUIM ELÓI CIRNE DE TOLEDO

O programa de estabilização da economia brasileira não requer profundas mudanças, relativamente à definição de seus componentes estruturais básicos: reforma fiscal e do Estado; reformas dos mercados, para ampliar a concorrência e a produtividade; desindexação de preços e salários e, futuramente, também das operações financeiras; e, finalmente, a estabilização da taxa de câmbio (a "âncora cambial").
Em particular, não se deve retornar ao regime cambial do passado, desvalorizando-se seguidamente a taxa de câmbio, a pretexto de evitar a "defasagem cambial". Por um bom tempo ainda deve-se manter o câmbio e os preços públicos estabilizados, para evitar o retorno da espiral preços-câmbio-salários.
Não há dúvidas, por outro lado, quanto à necessidade de ajustes significativos na condução do programa de estabilização, para evitar que se repita no Brasil a crise cambial mexicana.
No México, e também na Argentina, a estabilidade tem sido acompanhada por déficit externos significativos e crescentes na Balança de Transações Correntes, requerendo seu financiamento através de entradas de capitais a um ritmo insustentável. Cedo ou tarde vem a crise cambial, as desvalorizações, a inflação e a recessão, detonadas pela corrida às reservas externas.
O que é então preciso fazer para evitar a crise cambial e a inflação? Primeiro, mais uma vez, o que não deve ser feito: desvalorizar significativamente a taxa de câmbio, simplesmente. Se isso ocorresse, subiriam junto com o câmbio não apenas os preços de produtos importados, mas todos os preços e também os salários, levando à reaceleração inflacionária.
O que deve ser feito, a curto e médio prazos, é adotar uma estratégia dupla: desaquecer a demanda interna e, simultaneamente, estimular a oferta. Para isso seria ideal adotar uma política fiscal muito apertada (subindo impostos e cortando gastos públicos, se possível), ao mesmo tempo que se permitiria a queda gradual das taxas reais de juros.
Se o choque fiscal não for suficiente, por outro lado, será infelizmente necessário manter os juros altos, adotando-se maiores restrições às entradas de capitais externos e simultaneamente liberando mais a flutuação do câmbio, pela ampliação da "banda" atual.
O choque de oferta seria estimulado por várias medidas. Deveria ser incentivado o investimento produtivo, eliminando-se todo e qualquer imposto hoje existente sobre bens de capital. É melhor isentar de impostos os tratores, caminhões, tornos e computadores, ao mesmo tempo que se restabelece a plena tributação dos carros "populares". A desregulamentação da economia poderia ser aprofundada e acelerada, juntamente com reformas tributárias, para reduzir as distorções fiscais e os custos burocráticos das empresas e para facilitar ao máximo a entrada de novos concorrentes. A redução do "custo Brasil" também poderia ser ajudada com a intensificação do processo de privatização (com a regulamentação das concessões) e a reforma da burocracia pública.
Choque fiscal, choque de oferta e câmbio estável: esta pode ser uma receita para preços estáveis, com déficit externos razoáveis que não levarão ao "Natal negro" mexicano.

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