São Paulo, sábado, 7 de janeiro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

A voz da Casa Grande

Carlos Heitor Cony
RIO DE JANEIRO – Volto hoje ao discurso de posse do novo presidente. Houve trechos que pareciam a transcrição de alguns editoriais da imprensa mais comprometida com os interesses da Casa Grande em relação à Senzala.
Exemplo: a confusão proposital entre o conceito de educação integrada e a realização arquitetônica que Oscar Niemeyer criou para ela. Uma coisa nada tem a ver com a outra. O caráter faraônico (condenado pelo novo presidente) é apenas acidental, uma questão de gosto e de época.
O que realmente importa é o conceito da educação integrada, tal como foi pensada por Anísio Teixeira nos anos 30 e cuja recente tentativa de implantação provocou indignação e histérica reação na Casa Grande.
Como? Alimentar os filhos da Senzala, que se reproduzem de forma politicamente incorreta e oneram a sociedade com mais bocas e problemas?
No "Mein Kampf" de Adolf Hitler há numerosas referências de como educar os filhos da Senzala, no caso, os filhos de não-arianos. Eslavos, ciganos, judeus, latinos etc. não teriam direito à matemática. Ficariam limitados à aritmética para poderem exercer funções subalternas na sociedade da raça eleita.
Num país em que mais da metade da população passa fome ou se alimenta precariamente, integrar a educação ao ensino é a única via para a justiça social.
E o presidente, tal como os editoriais da imprensa, insistem em confundir "educação" e "ensino". Uma coisa é ensinar a criança a escrever e a ler, ensinar o que é golfo e bacia hidrográfica. Outra é educar socialmente, a começar pelo mais elementar, que é ensinar a comer três vezes ao dia, escovar os dentes, tomar banho.
O fundamento da educação integrada transcende ao aspecto físico de uma escola ou de uma quadra de esportes. É colocar entre as prioridades do Estado o dever de formar cidadãos e não o de criar os futuros escravos para servir e distrair os senhores da Casa Grande.
Lembro de ter visto a maquete de uma escola integrada dos tempos de Anísio Teixeira. Era "art déco", estilo em voga nos anos 30. Tomar a forma pelo conteúdo é um erro grosseiro, injustificável num discurso presidencial.

Texto Anterior: Fernando Henrique está certo
Próximo Texto: Justiça social
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.