São Paulo, domingo, 8 de janeiro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

BC apura evasão fiscal em remessa de lucro

JOSIAS DE SOUZA; LILIANA LAVORATTI
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Erramos: 10/01/95
Nesta reportagem, o quadro de investimentos estrangeiros no Brasil traz a informação de que dados de capital registrado das empresas estão em milhões de dólares. Na realidade, os dados estão expressos em milhares de dólares.
Documento reservado do BC (Banco Central) revela que algumas das maiores multinacionais instaladas no país remetem pouco ou nenhum lucro para suas matrizes ou empresas coligadas no exterior.
A partir dessa constatação, o BC anota no documento a suspeita de que as multinacionais cometem crime de "evasão fiscal", enviando dinheiro ilegalmente para fora do Brasil.
Segundo o relatório, obtido com exclusividade pela Folha, as empresas estariam também se aproveitando de brechas da legislação para manipular seus lucros, pagando menos impostos no país.
O BC anota que essas empresas "lesam o fisco e o câmbio ao remeterem de forma disfarçada os lucros e dividendos aos investidores estrangeiros".
Há no relatório uma lista de 136 empresas. Foram analisados dados referentes a cinco anos, de 1989 a 1993.
Nada menos do que 30 empresas declararam ao governo que, durante todo o período, o capital estrangeiro que manipularam teve "taxa de retorno" zero, ou seja, não foi remunerado, não deu lucro.
A taxa zero de retorno significa que as empresas, todas com investimentos estrangeiros registrados acima de US$ 50 milhões ao ano, tiveram prejuízos durante cinco anos consecutivos ou, se tiveram lucros, não há registros no Banco Central de que tenham sido reinvestidos no país.
Impostos
Como têm de pagar Imposto de Renda sobre o lucro (25%) e sobre as suas remessas para o exterior (15%), as empresas podem estar, de acordo com a suspeita do BC, sonegando impostos.
Além de multinacionais, as irregularidades envolvem empresas nacionais com negócios no exterior. Preocupado, o novo governo analisa projeto para tornar o controle mais rígido.
O documento, concluído em dezembro passado, traz a assinatura de Pedro Malan ainda como presidente do BC. Desde 1º de janeiro, Malan é ministro da Fazenda do governo Fernando Henrique.
A lista de empresas com retorno zero inclui também ex-estatais com negócios no exterior.
Dados oficiais indicam que a evasão de divisas nos últimos quatro anos foi de US$ 20 bilhões. O número consta de relatório da CEI (Comissão Especial de Investigação), concluído em dezembro.
O documento do BC diz ainda: "A rentabilidade excessivamente baixa, quando comparada à de outras empresas brasileiras nos mesmos setores de atividades, é uma das evidências dessas irregularidades".
Outro indício apontado é o baixo volume de lucros e dividendos remetidos legalmente aos investidores estrangeiros nos últimos anos.
O BC acha que muitas multinacionais podem estar enganando deliberadamente o governo brasileiro. Suas taxas de retorno são incompatíveis com a rentabilidade esperada "como razoável".
Diferenças
O documento do BC constata que multinacionais norte-americanas forneceram dados diferentes ao governo brasileiro e à administração pública dos EUA.
Lá, informaram que seus investimentos no Brasil obtiveram remuneração de 12,68% ao ano, em média, no período de 1984 a 1992. Aqui, a taxa média remuneração registrada no BC foi de apenas 5,34% ao ano.
A diferença pode ser explicada pelo fato de que, nos EUA, os controles fiscais são mais rígidos do que no Brasil. A disparidade foi ainda maior no ano de 1989: 9,09% foi a taxa informada ao BC, contra a de 26,32% registrada nos EUA.
O cálculo foi feito com base em dados declarados pelas multinacionais ao Departamento de Registro de Capitais Estrangeiros do BC e ao Departamento de Comércio dos EUA.
A taxa de retorno é o resultado dos dividendos (lucros rateados), somados à parte dos lucros reinvestida no Brasil, dividido pelo total de capital investido.
Retorno
Há entre as empresas listadas pelo BC cinco que registraram taxa de retorno anual entre 0,01% a 2%; outras 13 ficaram na faixa de 2,01% a 5% e oito estão na faixa de 5,01% a 8%.
Taxas acima de 8% foram declaradas por 77 empresas, sendo que 26 destas ficaram entre os 26% e 102,20%, ou seja, acima das taxas médias registradas nos EUA.
As baixas taxas de retorno levaram o BC a suspeitar que as empresas estejam praticando uma manobra que tecnicamente é chamada de "preços de transferência", negócios superfaturados ou subfaturados com suas coligadas no exterior (leia texto abaixo).
Hoje, cerca de 40% do comércio exterior brasileiro é dominado por empresas que atuam em mais de um país. Esse percentual cresceu depois do processo de abertura da economia.

Texto Anterior: Dream team
Próximo Texto: Governo prepara lei para coibir manobras
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.