São Paulo, domingo, 8 de janeiro de 1995
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Fleury não faz ajuste e dívida aumenta

CARLOS ALBERTO SARDENBERG
DA REPORTAGEM LOCAL

O ex-governador de São Paulo Luiz Antonio Fleury Filho deixou as finanças paulistas em situação desastrosa porque não aplicou a única política que seria eficiente para equilibrar as contas: o ajuste fiscal, isto é, privatização, redução de gastos e cortes de pessoal no governo e suas empresas.
Com arredação em queda, juros altos e limitadas fontes de novos empréstimos, Fleury continuou gastando e contratando como se nada estivesse acontecendo. E aumentou o endividamento através de uma antiga prática do setor público: atrasar pagamentos e empurrar compromissos para seu sucessor.
O governador Mário Covas assumiu em 1º de janeiro tendo que pagar as seguintes contas já neste mês, além do salário do funcionalismo: R$ 1,5 bilhão de atrasados com fornecedores diversos; R$ 2,5 bilhões de atrasados com empreiteiras; R$ 550 milhões de prestação com o Banespa; e R$ 2,1 bilhões para a Nossa Caixa. Total: R$ 6,6 bilhões.
Acordos
Com uma arrecadação prevista de R$ 1,2 bilhão, faltariam R$ 5,4 bilhões ainda que não se pagasse nenhum centavo aos funcionários.
As prestações com Banespa e Nossa Caixa foram resultados de acordos que previam pagamentos mínimos no começo e pesadíssimos a partir de janeiro de 1995.
Em maio de 1992, o governo paulista fez um acerto no Conselho Monetário Nacional, então presidido por Marcílio Marques Moreira, para pagamento dos débitos com o Banespa.
Pelo acertado, o governo paulista pagaria o equivalente a R$ 3,9 milhões mensais ao longo de 1992. No ano seguinte, os pagamentos passariam a R$ 15,5 milhões. Em 94, R$ 25 milhões mensais. Isso amortizava 0,5% da dívida e pagava juros subsidiados de 6% ao ano. Fleury pagou regularmente, em dinheiro ou entregando ações de estatais, a preço de mercado.
Mas para 15 de janeiro de 1995, o mesmo acordo prevê uma parcela de R$ 550 milhões, pois a taxa de juros deixa de ser subsidiada e passa a ser de mercado. Vai de 6% a 49% anuais.
Só neste ano, mantidas as condições de mercado atuais, o governo paulista teria de pagar R$ 6,6 bilhões ao Banespa, aproxidamente uma outra folha de salários. Não teria o dinheiro nem se vendesse todas as estatais do setor elétrico.
O acordo com a Nossa Caixa, feito em 1993, é ainda mais desastroso para o governo Covas. Fleury prometeu pagar –e pagou– o equivalente a R$ 6,8 milhões mensais, até dezembro de 1994.
O acordo morre aí, de tal maneira que todo o estoque da dívida, vencida, teria de ser pago imediatamente agora em janeiro. São R$ 2,1 bilhões.
Foi para evitar isso que o Conselho Monetário Nacional, presidido por Ciro Gomes, fez uma reunião de emergência no final do ano passado e passou resolução permitindo que as dívidas de governos estaduais com seus bancos fossem renegociadas, com prazo de até 20 anos.
Herança
As finanças paulistas começaram a se deteriorar com o governo de Orestes Quércia (1987 a 1991). O período anterior, de André Franco Montoro, foi de ajuste e saneamento.
Montoro pegou um período parecido com o de Fleury: dois anos de recessão, com queda de receita, um ano de crescimento moderado e um ano bom, o último. Reduziu o déficit do governo e entregou com as contas equilibradas. E o endividamento do Estado teve seu menor crescimento desde 1975.
O déficit do governo, no último ano de Montoro, foi de apenas 0,46%. Ou seja, o governo gastou quase exatamente o que arrecadou.
No primeiro ano de Orestes Quércia, o déficit já saltou para 7,78%. E no seu último ano, 1990, escalou para 18,87%.
Foi no governo Quércia que a maior parte das dívidas que as estatais tinham com o Banespa passou para o Tesouro. Como as estatais não pagaram, o Tesouro, isto é, o governo central, assumiu essas dívidas. E também não pagou.
Ao contrário, fez mais. No seu último ano, em especial, o governo Quércia realizou duas operações de antecipação de receita com o Banespa. Trata-se de tomar um empréstimo de curto prazo, a ser pago com arrecadação futura de impostos.
Em setembro de 1990, Quércia tomou o equivalente a US$ 374 milhões e, em dezembro, mais US$ 187 milhões. Houve aí duas irregularidades. Primeiro, o governo não poderia tomar dinheiro emprestado do Banespa porque é o dono do banco.
Em segundo, o empréstimo deveria ser pago no mesmo ano, 1990. Não o foi. Assim, Fleury, eleito com o apoio de Quércia, assumiu em março de 1991 já com a situação ruim. E piorando.
Com a recessão, a arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, a principal receita, chegou a cair 33%. O Banco Central impunha dificuldades para a tomada de novos empréstimos. Os juros eram altíssimos.
Cobrados sobre estoques de dívidas não pagas, os juros faziam crescer as próprias dívidas. Aplicou-se aqui um mecanismo perverso pelo qual o governo não paga suas dívidas com o Banespa e Nossa Caixa e os dois bancos têm lucro no balanço.
Atrasos
Em situações normais, quando um devedor como o governo paulista não paga suas prestações, o banco deve relacionar isso como prejuízo e as prestações futuras, como crédito duvidoso.
Banespa e Nossa Caixa faziam diferente. As prestações não pagas eram refinanciadas, tornavam-se créditos novos. Os juros apareciam como lucro no balanço, mesmo sem a entrada de um centavo em caixa.
Além de não pagar dívidas antigas, o governo Fleury fez novas atrasando pagamentos junto a fornecedores. Tanto o governo central quanto as estatais recorreram a essa prática.
E também fez dinheiro vendendo ações de estatais, principalmente da Telesp e das elétricas Cesp e Companhia Paulista de Força e Luz.
Em resumo, a situação econômica do país foi perversa. Mas a reação de Fleury a ela foi pior ainda. Deixou dívidas e um governo inchado.

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