São Paulo, domingo, 8 de janeiro de 1995
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Brasil e México: comparando números

ÁLVARO ANTÔNIO ZINI JR.

"Acordar não é de dentro acordar é ter saída. Acordar é reacordar-se ao que em nosso redor gira."
João Cabral de Melo Neto (em "A Palavra Poética na América Latina", organizada pelo paulistano-mexicano, Horácio Costa)

A economia distingue-se nas ciências sociais por ser um campo do conhecimento no qual se pode medir boa parte das variáveis com que se trabalha. Usando preços, quantidades e estatística, todo economista sério procura números relevantes, antes de fazer sua análise.
No artigo de hoje vamos comparar alguns números sobre as economias do México e do Brasil, pois, com a crise cambial mexicana, o tema tem grande interesse (e, salvo exceções, tem sobrado opiniões sobre o programa mexicano, sem base em números).
O México sofreu nos anos 80, com a crise da dívida externa, de males conhecidos: inflação em alta, crise fiscal (e política) e estagnação econômica. Por sorte, o governo brasileiro tem hoje, entre seus auxiliares, um economista de grande competência, o professor da FGV-SP (e meu amigo), Gesner de Oliveira, conhecedor do drama mexicano.
O programa de ajuste concebido em 1987-88 fez uma opção radical no sentido de integrar a economia mexicana à dos Estados Unidos. Para isso, concebeu-se uma redução drástica das barreiras ao comércio, a liberalização dos fluxos de capitais e o acordo do Nafta.
Paralelamente, adotou-se o maior ajuste fiscal das Américas: o total dos gastos públicos caiu de 39% do PIB em 1987 para 21% em 1993-94. Privatização, geração de superávit fiscal e refinanciamento a juros livres das dívidas do Estado. O programa mexicano é conhecido, na literatura especializada, como tendo adotado a "âncora fiscal" e não a "âncora cambial".
Uma reorientação deste porte significava formar novos grupos econômicos dominantes e destruir parte do capital dos grupos antigos. Em termos simplificados, pode-se dizer que o governo de Salinas de Gortari correspondeu quase a um golpe de Estado, em que antigos grupos foram deslocados e grupos novos emergiram. A privatização de empresas estatais (salvo o complexo petroleiro) foi um dos meios para se colocar isto em prática.
A reordenação da economia, acompanhada da diminuição do Estado, deveria levar a uma onda de investimentos externos, tornando o México uma economia exportadora. E para isso procurou-se integrar os mercados financeiros mexicanos ao centro financeiro de Nova York.
Mas, neste "link", fez um dos erros básicos. Com uma pesada dívida pública mobiliária de curto prazo (que gira com acordo de recompra diário, parecido com a brasileira), o governo optou que essa dívida teria seus serviços privilegiados dentre os pagamentos públicos. Ao longo de 1988-94, o governo mexicano pagou juros reais altíssimos para refinanciar sua dívida interna de curto prazo, sem reestruturá-la de nenhum modo significativo.
A estratégia de tratamento da dívida interna foi formar um Fundo de Amortização, com o dinheiro das privatizações. Formado o fundo, que detinha em meados do ano passado algo próximo de US$ 30 bilhões, verificou-se que se a dívida pública fosse recomprada, isto equivaleria a uma forte expansão monetária, o que estouraria a inflação.
Dadas as opções, o que de fato transcorreu foi um período em que os ganhos financeiros fáceis passaram a governar a política econômica. E o lado real ficou estagnado. Com os juros internos elevados, o México passou a captar, desde 1990, financiamentos externos de vulto, que se somaram aos capitais que foram especular na Bolsa.
Com tanto dinheiro entrando, a taxa de câmbio passou a se defasar (o câmbio não esteve fixo no período). Como a tabela mostra, se se atribui o valor de 100 à taxa real em 1988, este índice foi de 74,8 em 1994. Note que a apreciação cambial brasileira está próxima disto.
A razão da forte desvalorização cambial do México nas últimas semanas foi o déficit em contas correntes, resultante da redução das barreiras tarifárias e da defasagem cambial. Este déficit soma quase US$ 100 bilhões no acumulado de 1988 a 1994. Ao menos metade disto é endividamento de empresas e do governo e agora ficou mais caro pagá-lo.
Gostaria de chamar a atenção para o paralelismo entre o México e a fracassada experiência do Chile e da Argentina entre 1978 e 1982, conhecida como o enfoque monetário do balanço de pagamentos. Nestes dois casos, hoje exemplos didáticos em livros de economia, optou-se por gerar superávits fiscais, liberalizar as importações e deixar a taxa de câmbio apreciar para combater a inflação. O resultado foi o mesmo: crise cambial e crise fiscal a partir de 1982.
Por último, a pior idéia que se pode fazer é pensar que o Brasil não corre perigo semelhante. Pelo menos, a crise mexicana serviu de alerta para os que defendiam uma estratégia semelhante no Brasil, de ganhos financeiros e déficit em conta corrente para segurar a inflação.
É bom atentar para o gráfico. O preço real do dólar (deflacionado por preços ao consumidor) já acumula uma defasagem maior no Brasil no final de 1994 do que a havida no México.
Os que crêem que o país tem até 1996 para começar a corrigir a taxa de câmbio real se enganam. Com o atraso acumulado, já no primeiro semestre de 1995 o resultado do saldo comercial vai ser decepcionante. A hora é de acordar.

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