São Paulo, domingo, 8 de janeiro de 1995
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Fumar é bom ao Brasil

GILBERTO DIMENSTEIN

BRASÍLIA – Estava inclinado a escrever sobre o encontro que prosseguia ontem de Fernando Henrique e seus auxiliares –um pirotécnico blá-blá-blá, em meio a lembranças de promessas de campanha. Mas o que me chamou, de fato, a atenção foi um exemplo de cinismo.
Abalado com a portaria do Ministério da Saúde limitando sua publicidade, o lobby do fumo resolveu intensificar seu trabalho de relações públicas –em essência, quer mostrar como o cigarro é importante para o bem-estar do brasileiro. A lógica que tenta vender é a seguinte: fumar é ruim ao brasileiro, mas bom ao Brasil. Parece piada.
Em entrevista publicada ontem, o diretor da Associação Brasileira da Indústria do Fumo, Ronaldo Costa, orgulha-se de um recorde histórico: o faturamento no ano passado de U$ 1,02 bilhão. Dobrou-se o número de cigarros exportados.
Com base nesses números, o diretor de marketing da Souza Cruz, comemorou: o recorde mostra a importância do cigarro para a pauta de exportações brasileira. Confesso: fiquei comovido. Sou até capaz de voltar a fumar para ajudar o Brasil.
Ironias à parte, parece conversa de maluco. Eles, na prática, se orgulham de que estão matando gente. É uma posição tão sublime como um fabricante de arma comemorar a explosão de guerras e vir a público mostrar a eficiência de seu negócio.
O fato: juntem-se os homicídios de todos os grupos de extermínio e gangues, somem-se aos acidentes de trânsito. As mortes causadas por doenças ligadas ao fumo, no Brasil, ganham de longe. São números do Ministério da Saúde que, a exemplo do lobby do fumo, tem recordes a mostrar. Mas sem orgulho.

PS – O governador Mário Covas lançou uma formidável proposta: o fim da reprovação nas escolas públicas. No lugar na punição, o aluno receberia aulas de reforço. A repetência é um trauma psicológico no indivíduo, estímulo à evasão e, por consequência, delinquência ou trabalho precoce. Na maioria das vezes, a repetência significa punir a vítima: a culpa é das escolas que não sabem ensinar e estimular a potencialidade dos estudantes. Se o governador implementar, de fato, essa medida, terá entrado na história das conquistas da cidadania brasileira.

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