São Paulo, domingo, 8 de janeiro de 1995
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Palpite infeliz

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO – Ainda bem que dos 23 Jatenes prometidos para o ministério, ao menos um se salvou: o próprio. E ele disse ao que veio, logo de saída. Contrariou o pedido de FHC de não levar ao público externo as divergências entre os ministros.
A ordem presidencial conflita com a prometida transparência, mas deixa pra lá. O ministro Bresser Pereira, cujo nome virou sinônimo de reposição salarial, demanda judicial e justa causa para greve geral, apesar desse passado comprometedor, ganhou um cargo como recompensa pela gerência das burras da campanha do candidato eleito.
Queria ser chanceler mas a turma do Itamaraty achou que era barra pesada demais: ser administrada por um gerente de supermercado envolvido com aumentos de preços e estocagem de produtos para fugir ao tabelamento.
Deslumbrado pela divindade do mercado, o ex-gerente de supermercado quer acabar com a estabilidade dos funcionários –besta negra dos neoliberais.
Jatene falou pouco mais bastante. Em primeiro lugar, a incompetência e improbidade atribuídas ao funcionalismo estão localizadas, em quase sua totalidade, nos cargos em comissão, exercidos em grande parte por gente de fora, como o próprio Bresser.
Além disso, a estabilidade garante um mínimo de decência administrativa. Com a rotatividade dos governos, dos segundos e terceiros escalões, teríamos em escala aterradora a manipulação do serviço público em benefício do grupo político instalado no poder.
Os 50 mil cargos de que dispõe um governo para saldar compromissos de campanha seriam multiplicados por mil. Um novo ministro teria à disposição não apenas a indicação dos principais assessores e secretários. Nomearia novo chefe da garagem, novo cozinheiro, novo faxineiro. A idéia de um funcionalismo público de nível profissional iria para o brejo.
Jatene é insuspeito para defender a estabilidade. É bem-sucedido em sua especialidade. O mesmo não se pode dizer de Bresser, que mais uma vez deu um palpite infeliz. Estamos pagando até hoje o erro que tem o seu nome.

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