São Paulo, domingo, 8 de janeiro de 1995
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Bendita da Silva

COSETTE ALVES

Erramos: 29/01/95
A reportagem da capa de 8 de janeiro informou, erradamente, que Benedita da Silva foi eleita com votos de cariocas (naturais ou habitantes da cidade do Rio de Janeiro). A senadora foi eleita com votos de fluminenses (naturais do Estado do Rio).
Bendita da Silva
Para a Human Rights Watch, uma das mais importantes entidades ligadas à defesa dos direitos humanos do mundo, Benedita da Silva é o símbolo da mulher brasileira oprimida que venceu as barreiras da discriminação. Confere: Bené passou fome na infância, buscou a sobrevivência nas ruas, foi chamada de nega maluca, perdeu dois filhos. Sonhava estudar para ser professora. Foi mais longe: eleita senadora pelo PT com dois milhões de votos, prepara-se para representar as vítimas do "apartheid" brasileiro no Congresso
Não é por acaso que Benedita da Silva se transformou na primeira senadora negra com dois milhões de votos dos cariocas. Conhecendo um pouco sua vida e suas idéias, fica evidente que a vitória de Benedita é sinal de uma mudança importante na vida política nacional. Chega ao Senado uma representante feminina dos pobres e dos negros, dos excluídos pelo "apartheid" brasileiro.Benedita é a mais nova estrela do PT no Congresso Nacional. Nasceu no Rio de Janeiro, criança paupérrima, passou fome, foi menina de rua, vendedora de limões e engraxate... Depois se elegeu vereadora, deputada federal e foi candidata à Prefeitura carioca. Hoje é senadora do PT eleita por robusta votação. É despojada e inteligente e, segundo ela mesma, "não fica prosa" com o sucesso. Quando recorda a infância e dificuldades, sua voz é triste, doce e meiga, me lembrando as melodias de Puccini. Parece mergulhada numa espécie de sonho e pesadelo. Não percebi em seus relatos nenhum tom de ressentimento. As terríveis dificuldades e humilhações que contou já estavam integradas às vitórias. Quando fala do medo da fome, do preconceito racial, do preconceito contra a mulher, do extermínio de crianças, da miséria e das injustiças do Brasil, sua voz muda –parece uma ópera de Wagner. Voz de guerreira, quase um grito de indignação. Forjada pelas carências, Benedita não quer e nunca vai esquecer seu passado. Sua resistência e energia brotam da lembrança dos momentos de penúria.
Nosso contato foi fácil. Generosa, Benedita abriu seu coração. O seu olhar é direto e profundo. Senti que enxergava através de mim. É muito observadora e intuitiva, Parece que a dureza da vida lhe deu sensibilidade e sabedoria. "Sofri e vivi tanto que sinto que tenho 100 anos", reconhece. Talvez a explicação para as grandes mudanças da vida de Bené fique clara a partir das histórias sinceras e corajosas que contou. A nova estrela é antes de tudo muito forte. Foi emocionante perceber, através dela, o quão misterioso é o Brasil. País generoso e injusto.
Quando saí de seu gabinete na Câmara, a tarde terminava. Senti um enorme vazio. Saudades de horas muito especiais.
LEMBRANÇAS E CONFISSÕES
- Seus pais. Dá para falar um pouquinho deles?
- Meus pais faleceram há muito tempo. Minha mãe teve um acidente vascular cerebral e meu pai morreu anos depois, de edema pulmonar. Eu era muito levada e papai era tipo criação antiga, quando os filhos apanhavam. Não me batia todo o dia, mas quando resolvia dar uma surra, era para valer. Mamãe foi muito sofrida. Tive uma relação muito íntima com ela, de mulher para mulher. Quando teve o derrame, eu tinha uns 12 anos. Entre o primeiro e o segundo derrame, ela viveu anos. Não podia correr porque ficou hemiplégica. Não tinha mais condições de bater. Eu chegava bem pertinho para ela me puxar a orelha.

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