São Paulo, quarta-feira, 11 de janeiro de 1995
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Além do Congresso

Os primeiros dez dias do governo Fernando Henrique Cardoso passaram uma nítida sensação de desarticulação política ou, mais especificamente, de lacunas sérias no relacionamento com o Congresso.
O governo afirma que não está preocupado com o atual Congresso, nos últimos momentos de vida, mas com o futuro, que será, afinal, o responsável pela votação das reformas consideradas vitais.
Formalmente correta, essa alegação parece pressupor que o futuro Congresso será substancialmente diferente do atual. Todas as indicações disponíveis, contudo, sugerem que o mais razoável é supor que a nova legislatura mudará apenas um punhado de nomes, mas não o essencial da conduta de boa parte dos parlamentares, ainda ancorada na fisiologia e no corporativismo.
Se essa previsão se revelar correta, o corolário é sombrio: para poder aprovar as reformas que julga necessárias, o Executivo terá que negociar com os parlamentares em bases não muito diferentes das que marcaram gestões anteriores.
Há, porém, um contraponto possível para essa perspectiva desanimadora. Trata-se de negociar primeiro com a sociedade organizada as propostas de reforma estrutural.
A campanha eleitoral deixou claro que há mais convergências do que divergências nos principais partidos em temas como as reformas tributária, da Previdência e do pacto federativo, a questão dos monopólios e assim por diante.
Por mais que os partidos tenham raízes débeis na sociedade, parece razoável concluir que as convergências explicitadas durante a campanha estão presentes também na própria sociedade, pelo menos na sua parcela organizada.
Se extrair da sociedade um razoável consenso acerca das propostas, o governo pode legitimamente tentar articular-se com uma pressão de fora para dentro do Congresso que torne a negociação menos rasteira. É um caminho mais fácil de apontar do que de trilhar, mas a alternativa é muito pior. É recair no "é dando que se recebe", salmo-mor da prática fisiológica cujos efeitos nefastos o país desgraçadamente conhece muito bem.

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