São Paulo, domingo, 15 de janeiro de 1995
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Catadores invadem áreas há quase dez anos

CYNARA MENEZES
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A "invasão dos catadores de papel" já foi removida das cercanias do Palácio da Alvorada, residência presidencial, incontáveis vezes desde que a área começou a ser ocupada, há quase dez anos.
A última vez foi há três meses. Os barracos foram derrubados e os moradores foram levados para o CAS (Centro de Atendimento Social), um albergue público para desabrigados.
Um mês depois, os moradores voltaram. Segundo o governo do Distrito Federal, a maior parte das 13 famílias é reincidente no local.
Muitos chegaram a receber dinheiro para comprar passagens rodoviárias e retornar a seus Estados de origem, quase sempre no Nordeste, mas ficaram.
A passadeira aposentada Joana Paulo da Silva, 70, é uma das catadoras de papel que habitam as áreas invadidas.
Joana faz a pé diariamente, empurrando um carrinho de mão carregado com sucata, o mesmo caminho do comboio presidencial.
Ela ganha R$ 70,00 de aposentadoria, que não dão para o sustento dela e do terceiro marido, doente e "entrevado numa cama".
Joana veio do Ceará em 1959 com o primeiro marido e os dois filhos para trabalhar na construção de Brasília. O marido a abandonou anos depois. "Foi só eu ficar velha", conta.
Apesar de passar todos os dias pelos fundos do Palácio do Planalto –onde FHC entra, pela garagem–, só viu o presidente uma vez, no dia seguinte à posse.
"Tinha polícia assim", diz, fazendo sinal com a mão. "Ele passou acenando para todo mundo". Joana acredita em FHC. "Estamos todos esperando que melhore".
Quase completamente surda, ajudada apenas pelo neto Diego, 8, ela apenas aponta para o carrinho de mão quando perguntada se a vida está difícil, e diz: "Basta ver isso aqui, né?".
A falta de moradia –consequência do elevado número de migrantes que ainda partem em direção à capital federal– é apontado como o principal problema a ser enfrentado pela administração do Distrito Federal.
Mais de 39 mil famílias estão inscritas no Instituto de Desenvolvimento Habitacional (Idhab) à espera de um lote semiurbanizado.
O novo governador, Cristóvam Buarque (PT), só vai conceder, porém, outros 5 mil terrenos que seu antecessor, Joaquim Roriz (PP), deixou com indicação de beneficiários já pronta.
Por enquanto, ainda não sabe o que vai fazer com os favelados vizinhos a Fernando Henrique. Devem ser retirados mais uma vez dali: não bastasse ser na vizinhança do Alvorada, a área também é de proteção ambiental, próxima ao lago do Jaburu.

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