São Paulo, domingo, 15 de janeiro de 1995
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Ministra descarta mudanças no câmbio

LUCAS FIGUEIREDO; FERNANDO GODINHO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

FERNANDO GODINHO
Coordenador de Economia da Sucursal de Brasília
A ministra da Indústria, Comércio e Turismo, Dorothéa Werneck, 46, descartou em entrevista à Folha qualquer alteração imediata na política cambial para favorecer as exportações.
Desde a implantação do Plano Real, a moeda brasileira vem se mantendo valorizada em relação ao dólar, o que prejudica as exportações e beneficia as importações.
"Não podemos fazer uma política cambial exclusivamente voltada para as exportações", afirmou.
Dorothéa ressaltou que o governo continua querendo exportar mais do que importar. Para ela, isto será conseguido com ganhos de produtividade e qualidade e não pela mudança da política cambial.
Segundo a ministra, a prioridade é consolidar a estabilização econômica, que neste momento exige que o dólar continue valendo menos que o real.
Dorothéa afirma que o governo incentivará as exportações com um programa radical de desregulamentações, abertura de linhas de financiamento e redução da carga tributária e dos encargos trabalhistas.
Para coordenar a política de setores tradicionalmente polêmicos –como comércio exterior, açúcar e álcool, café, câmaras setoriais etc.– Dorothéa tem uma receita: não fazer política de cima para baixo, chamar todos os setores para debater, e, durante as negociações, sorrir.
A ministra evitou se posicionar de forma definitiva em quase todos as questões levantadas na entrevista, colocando a necessidade de negociar com os setores envolvidos antes de fechar a discussão de um tema.
"Costumo dizer que sou costureira e não economista", disse. A seguir, os principais trechos da conversa.

Folha - Como o governo pretende atuar no comércio exterior?
Dorothéa Werneck - A nossa lógica é aumentar importações e exportações. Nesta linha, existem os fatores que estimulam a exportação: câmbio, financiamentos, redução da carga tributária e encargos trabalhistas, revisão de custo dos portos e de transporte nas vias de exportação, desburocratização e desregulamentação de toda e qualquer ordem.
Folha - Os exportadores se queixam que estão perdendo espaço no mercado externo por causa da defasagem do dólar em relação ao real.
Dorothéa - Por isso o esforço para reduzir custos e recuperar margens.
Folha - A sra. não acha necessário fazer uma revisão da política cambial?
Dorothéa - O mais importante é consolidar a estabilização. Nós não podemos fazer uma política cambial exclusivamente voltada para o estímulo à exportação. A política cambial está em um contexto maior, que é política da área econômica.
Folha - É necessário manter a política de superávit comercial, ou seja, exportar mais que importar?
Dorothéa - Vamos trabalhar com a possibilidade de manter o superávit. Mas, não vamos trabalhar com meta de ter superávit ou déficit.
Folha - A alteração da política cambial, então, pode ficar para depois?
Dorothéa - Não é que pode ficar para depois. Ela tem seu momento certo, e isso está vinculado às demais políticas: monetária, fiscal etc.
Folha - Quando a sra. acha que o câmbio poderá ter alterações?
Dorothéa - Não vou fazer previsão.
Folha - A crise mexicana trouxe o debate sobre a política cambial...
Dorothéa - O que é ótimo, inclusive para mostrar as diferenças entre o Brasil e o México.
Folha - Mas a queda do compulsório de 15% sobre os ACCs (Adiantamentos de Contratos de Câmbio), que facilita as exportações, não demonstra uma preocupação com o resultado da balança?
Dorothéa - Num momento, teria que flexibilizar. Ninguém toma medidas e diz que será eterno. Algumas pessoas fazem as análises dizendo que a taxa de câmbio do jeito que está irá quebrar não sei quantas empresas em quatro anos. Meu Deus, quem disse que vai durar quatro anos! Faz parte da característica da formulação de política, seja ela industrial ou econômica, que haja uma adequação ao momento.
Folha - Os exportadores dizem que precisam ter um horizonte mais claro.
Dorothéa - O horizonte é dado na medida que o governo diz claramente que a regra é exportar mais para importar mais. Portanto a prioridade é dada para a exportação. Mas, por que vamos onerar o cidadão brasileiro obrigando ele a comprar um produto mais caro para proteger a indústria nacional? O que eu estou falando aqui é duro e isso tem que ser discutido.
Folha - Se o câmbio vai ficar como está, o que os exportadores podem esperar além da queda do compulsório dos ACCs?
Dorothéa - Agora é começar a trabalhar a desregulamentação. Acelerar o processo de implementação da lei dos portos, desregulamentar questões de fronteiras (portos, aeroportos e rodoviário). Também é prioridade fazer funcionar toda a parte de defesa da concorrência, na área de dumping e subsídios. Vamos fazer um rearranjo no ministério para ter uma área específica para cuidar desses dois setores.
Folha - Como vai funcionar a Câmara de Comércio Exterior?
Dorothéa - Isso ainda vai ser definido. A idéia da câmara é excepcional. Se temos quatro ministérios –Fazenda, Planejamento, Relações Exteriores e Indústria e Comércio– com ações ligadas ao comércio exterior, é muito importante que tenha uma câmara onde os quatro ministros possam estabelecer diretrizes, ações conjuntas e posição de governo.
Folha - O que se pode fazer para gerar mais empregos?
Dorothéa - Toda desregulamentação voltada para a micro e pequena empresa é um estímulo. O estímulo ao turismo é outra grande contribuição.
Folha - O que o governo vai fazer para estimular o turismo?
Dorothéa - Grande parte dos governadores eleitos colocaram o turismo como prioridade na campanha. A idéia é começarmos a trabalhar de forma articulada. Cada Estado vai definir áreas onde seu turismo vai ser reforçado.
Folha - A sra. é a favor da manutenção da alíquota de 0,1% de IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) para os chamados "carros populares"?
Dorothéa - Isso nós temos que discutir.
Folha - A Constituição prevê que em maio deste ano o governo vai deixar de ditar regras para a exportação de açúcar. No final do ano passado, no entanto, o governo baixou uma portaria assegurando aos usineiros de álcool o direito de produzir açúcar para exportação, o que não era permitido até então. Os canavieiros dizem que não abrem mão do programa que instituiu estas regras. O que a sra. pretende fazer?
Dorothéa - Temos que sentar e discutir.
Folha - Mas a tendência, como todos os outros setores, será a desregulamentação?
Dorothéa - Certamente, inclusive por interesse dos próprios empresários. A intervenção do Estado tem de ter critérios e limites, porque senão atrapalha.
Folha - Como vai funcionar o financiamento para o setor de café, que depois de dois anos volta a ser promovido pelo governo?
Dorothéa - Ainda vamos discutir com os segmentos deste setor os critérios, linhas de financiamento, alocação de recursos e estabelecer a política de financiamento.
Folha - É possível adiantar os recursos disponíveis?
Dorothéa - Não. Estamos mapeando e isso vai ser discutido primeiro com o Comitê Brasileiro de Café, que reúne todos os segmentos do setor cafeeiro.
Folha - O que falta fazer com relação ao Mercosul?
Dorothéa - O Mercosul é chave. O aparato geral já foi feito, o setor privado já avançou muito, mas ainda tem muita coisa para se fazer. Por exemplo, a questão das fronteiras. É preciso tornar as nossas legislações e políticas coerentes.

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