São Paulo, domingo, 15 de janeiro de 1995
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Consumo traz mais risco ao real que México

JOÃO CARLOS DE OLIVEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

Para controlar a demanda aquecida, o governo vai usar o ajuste fiscal, que substitui a política de juros altos. Sem o ajuste, a economia responderá ao consumo não com a retomada dos investimentos, mas com escassez e aceleração da inflação.
O economista José Roberto Mendonça de Barros, 50, novo secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, diz que a "âncora fiscal assume o centro do palco" este ano.
A essência do problema, diz ele, é inverter uma das lógicas consagradas na Constituição –de criar encargos e serviços sem ter os recursos para bancá-los.
Para ele, o ajuste fiscal deve substituir o juro alto na tarefa de impedir que o consumo acabe gerando pressões inflacionárias.
Mas, otimista, Mendonça de Barros prevê um ano de crescimento econômico e de inflação na casa dos 20%.
O início de 1995, com a exceção da crise do México, não poderia ter sido melhor, diz acreditar.
Indagado sobre o que representa um maior risco para o real, se a demanda aquecida ou a crise mexicana, Mendonça de barros respondeu: "A demanda, claro." A seguir os principais trechos da entrevista:

Folha – Qual avaliação o sr. faz da crise mexicana?
José Roberto Mendonça de Barros – O México é o pioneiro no pior e no melhor. Uma bolha estourou. Aplicar no México era moda. Serão precisos ajustes profundos na economia e na política mexicanas. A posição adotada pelos EUA, expressa no discurso do presidente Bill Clinton, é a única alternativa possível e responsável. Mas a crise não acabou. Ela começa no mercado financeiro, que é mais volátil. Depois ficam as sequelas no mundo real.
Folha – Quais impactos a crise vai provocar no Brasil?
Mendonça de Barros – Os mercados emergentes são globais. Sacoleja lá, vai sacolejar aqui. É por isto que os mercados são de risco. Nos momentos de pânico, se o país está estruturalmente saudável, e este é o caso do Brasil, a melhor solução é não fazer nada.
Folha – Alguns analistas acreditam que a implosão do México vai afastar os investidores estrangeiros da América Latina.
Mendonça de Barros – O tamanho do mercado emergente será certamente menor no pós-crise. Mas o "share" (fatia) do Brasil deve crescer. O mercado ficará menos especulativo, menos bolha. Quanto à privatização, eu me lembro que, depois do Plano Collor, muita gente andou prevendo que não se conseguiria mais vender CDBs no Brasil, e se vende. Por outro lado, o centro do Estado só entrará no programa de privatização no terceiro trimestre do ano. As privatizações só serão retomadas em março. Até lá, será possível dimensionar corretamente qual foi o impacto da crise do México no fluxo de recursos para a América Latina.
Folha – Qual é a avaliação que o sr. faz do Plano Real?
Mendonça de Barros – A abertura do ano, com a exceção da crise do México, não poderia ser melhor. Em primeiro lugar, enfrentamos a demanda aquecida do Natal sem pressões de estoques. Em curto espaço de tempo, o que exige talento, a indústria conseguiu se mobilizar para atender a demanda, contando também com algum crescimento da importações.
Em segundo lugar, estamos abrindo o ano partindo de um nível de atividade bastante elevado. 1995 também será um ano de crescimento. Assim como no segundo semestre do ano passado, um dos problemas que eventualmente poderemos enfrentar é ter demanda demais.
Folha – E a inflação?
Mendonça de Barros – A inflação, pela primeira vez desde 1986, é menor no terceiro trimestre do que foi nos dois trimestres anteriores. Isto só está acontecendo porque não existe um processo de reindexação em curso. Se você dessazonalizar os índices de inflação, desde setembro a taxa mensal não supera o 1,5% e fica menor nos meses de dezembro e janeiro. sazonalmente ajustada, a inflação de 95 não deve superar os 20%. Podemos ter pressões localizadas. Em janeiro, chove, o que pode gerar problemas nos preços das verduras. Em março, muda a estação no vestuário. Porém, não existe um horizonte de pressões inflacionárias. A safra agrícola, todas as indicações vão neste sentido, será boa este ano.
Folha – E o setor externo?
Mendonça de Barros – Será saudável, mas sem a geração daqueles megasuperávits comerciais (exportações bem maiores do que importações) que traziam problemas para a gerência da política monetária. Uma das diferenças do Brasil em relação ao México é o fato de o país ter um comércio exterior muito diversificado. Isto dá um maior grau de liberdade.
Folha – Mas a situação das contas do governo?
Mendonça de Barros – O Fundo Social de Emergência se esgota este ano. Temos de gerar regras mais permanentes e mais estáveis para a economia. A agenda é a reforma fiscal. A âncora fiscal assume o centro do palco. É mais eficiente e mais razoável controlar a demanda aquecida pela política fiscal do que pela política monetária.
Folha – O imposto vai substituir o juro alto?
Mendonça de Barros – O imposto e o controle do gasto, especialmente o controle do gasto. A Constituição de 1988 automatizou uma série de despesas, criou "contas abertas". Foram criadas despesas sem a pré-existência de receitas. Esta é a essência do problema. Nós precisamos inverter a equação. Só podemos criar despesas se existirem os recursos, o "funding", para bancá-las. Antes, só tinha acesso ao INPS o trabalhador com carteira assinada. A Constituição universalizou o atendimento. Em certo sentido isso estimula a informalidade, provocando, de um lado, queda na arrecadação e, de outro, manutenção na demanda de serviços. O ajuste não significa voltar atrás na universalidade. Não implica atraso. Implica criar novas formas para gerar recursos e manter a universalidade. No caso da isonomia é a mesma coisa. Só é possível conceder a isonomia se existirem recursos. A discussão é como e quem vai pagar.
Folha – O sr. poderia explicar melhor como a política fiscal será utilizada para controlar a demanda?
Mendonça de Barros – O Plano Real, com a queda da inflação, aumentou a renda disponível e o consumo. Houve um choque de demanda positivo. Havia capacidade ociosa e este choque pode ser respondido ou com o aumento da produção local ou com importações. Houve um choque de oferta. Mas hoje muitos setores, todos os de bens duráveis (carros e geladeiras) por exemplo, bateram no teto de capacidade. Só existem duas rotas para resolver este problema. A ideal, e que já começa a acontecer, é a da retomada dos investimentos, o que gera crescimento. A outra é a do Plano Cruzado, é a escassez de produtos, o ágio e a volta da inflação.
Folha – Mas, no primeiro momento, a retomada dos investimentos também aquece a demanda. O empresário vai precisar comprar máquinas, tijolo.
Mendonça de Barros – O ajuste é do Estado. Ele dá um horizonte de manutenção da estabilidade. No curto prazo, o ajuste fiscal abre espaço para a retomada dos investimentos do setor privado e acomoda o aquecimento da demanda, para que ela não gere pressões inflacionárias. O ajuste é a agenda fundamental, além da redução do que se chama de "custo Brasil", que passa pela reforma tributária, pela desregulamentação da economia, pela modernização dos portos e de estradas, pelo ganho de escala. Uma das âncoras é o aumento da produtividade.
Folha – O que representa um risco maior para o plano: o México ou a demanda aquecida?
Mendonça de Barros – A demanda, claro.

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