São Paulo, domingo, 15 de janeiro de 1995
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Turbulência lá fora, reformas aqui dentro

ANTONIO KANDIR

Não há dúvida. A conjuntura internacional é de turbulência e não será tão fácil superá-la a curto prazo. Os fatos são eloquentes.
1) A crise financeira do México é profunda. A ajuda internacional que se procura orquestrar sob o comando do governo dos EUA parece insuficiente para restabelecer a confiança numa economia com déficit em transações correntes de 10% do PIB, cerca de US$ 30 bilhões/ano, com reservas internacionais não superiores a cerca de US$ 6 bilhões.
Acresce que não será fácil ao governo mexicano fazer, ainda neste primeiro semestre, os ajustes necessários, quando mais não fosse porque serão realizadas eleições para o governo de quatro Estados importantes do país.
2) A crise mexicana acarretou perdas financeiras de mais de US$ 30 bilhões, o que afetou drasticamente a rentabilidade dos fundos de países emergentes e alterou, para pior, as perspectivas de afluxo de capitais externos para o conjunto destes países.
Não se deve diminuir a dificuldade de convencer os detentores dos recursos administrados por esses fundos das diferenças entre as economias dos países emergentes.
3) A capacidade dos EUA de conceder crédito ao México é limitada. O governo Clinton vive seu momento mais difícil, tendo de enfrentar maiorias republicanas no Congresso, fato que não ocorria há 40 anos no país.
E os republicanos são contrários à ampliação da ajuda financeira externa, já havendo, inclusive, entre eles, sinais de questionamento ao próprio Nafta.
4) A crise não se restringe ao continente americano. Também os países de economia mais débil da Comunidade Européia vivem situações delicadas. Espanha, Itália e Suécia tiveram suas moedas significativamente desvalorizadas.
No caso da peseta espanhola, nem mesmo as intervenções do Bundesbank (o Banco Central alemão) foram suficientes para sustentá-la, dada a dimensão da crise política que ameaça 12 anos de governo de Felipe Gonzalez.
Crise política que também derruba a lira italiana. Menos conhecida é a situação da Suécia, onde a dívida pública (em relação ao PIB) triplicou nos últimos dez anos.
5) Por fim, há o caso do conflito entre russos e tchetchenos, em que os primeiros já desperdiçaram mais de US$ 2 bilhões. Até aqui, o conflito tem resultado na desmoralização de Boris Yeltsin e em dúvidas crescentes sobre o futuro das reformas na Rússia.
Em suma, estamos frente a uma conjuntura internacional em que o grau de incerteza quanto ao futuro elevou-se consideravelmente. Em consequência, é de se prever um aumento da propensão por liquidez e das taxas de juros internacionais, com reflexos negativos adicionais sobre a situação dos países emergentes.
Em face do cenário externo que se desenha, o Brasil tem duas alternativas: i) a alternativa tola de se julgar uma ilha num mundo em crise (erro que já cometemos no passado não muito longínquo); ii) a alternativa de enfrentar a turbulência externa de modo realista, com o início imediato de um processo consistente e inequívoco de reformas estruturais.
A mudança do cenário internacional serve de alerta às forças políticas internas. O Brasil precisa demonstrar com fatos eloquentes a sua diferença em relação a outros países do continente, no tocante a ancoragem dos respectivos processos de estabilização. Esta demonstração ainda está por ser feita.
A demonstração não poderá tardar e não pode dar margem à dúvida. Para tanto, é preciso que o conjunto das forças políticas do país tenha consciência da responsabilidade histórica que está em nossos ombros.
A esta altura, tenho a tentação de afirmar que seremos cobrados pelas futuras gerações com base no que fizermos ou deixarmos de fazer nesses primeiros meses de 1995. Tenho a impressão de não estar enganado.

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