São Paulo, domingo, 15 de janeiro de 1995
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Para Júnior Baiano, futebol confia mais no jogador negro

MARCELO DAMATO
DA REPORTAGEM LOCAL

O zagueiro são-paulino Júnior Baiano, 24, diz que o fato de ser negro nunca o prejudicou no futebol. Ao contrário, afirma, até pode tê-lo ajudado um pouco.
"Por algum motivo, acho que em parte por causa do Pelé, as pessoas levam mais fé num jogador negro do que num branco", disse à Folha.
Raimundo Ferreira Ramos Júnior nasceu em Feira de Santana, a cerca de 100 km a oeste de Salvador. Seu pai, hoje aposentado, foi goleiro em diversos clubes do Nordeste, inclusive o Fluminense de Feira de Santana e o Ceará.
Filho de jogador, Júnior sempre quis seguir essa carreira, apesar de o pai ter conseguido apenas comprar a casa onde mora.
Com 17 anos, Júnior fez um teste de um mês nos juniores do Flamengo. Morou no alojamento do clube até se profissionalizar.
Com 18 anos, foi lançado na equipe profissional pelo técnico Telê Santana (hoje, ambos estão no São Paulo). Fez o primeiro contrato profissional com 20.
Firmou-se como titular em 1992. Tornou-se ídolo da torcida com a imagem de um zagueiro viril, muitas vezes violento, e capaz de jogadas de efeito.
Em 1993, foi objeto de críticas em todo o país por ter desferido uma cotovelada no rosto zagueiro são-paulino Gilmar, que meses depois iria se tornar seu colega, quando se transferiu ao clube paulista.
No São Paulo, o zagueiro deixou a violência de lado por exigência de Telê, mas manteve o empenho. Hoje, é um dos destaques do time e não joga mais para a torcida. "Só quem tem que gostar do meu jogo é o Telê."

Folha - Você já enfrentou algum tipo de problema na sua carreira por ser negro?
Júnior Baiano - Nunca. No Rio de Janeiro, às vezes era criticado pela imprensa, mas por ser de fora, por ser baiano.
Folha - É por isso que você pediu para ser chamado só de Júnior quando chegou ao São Paulo no início de 94?
Júnior Baiano - Não. É que 1993 foi um ano muito tumultuado. Foi um ano de brigas. Fiquei marcado por brigas e queria apagar aquilo.
Folha - Você já soube de algum jogador que tenha enfrentado problemas no Brasil por ser negro?
Júnior Baiano - O meu irmão, o Jorginho (hoje, na Portuguesa, de São Paulo), teve uns problemas quando ele jogou no Acre (Juventus e depois no Rio Branco). Lá quase não tem negro. O pessoal pegava muito no pé dele. Mas eram só os torcedores, não jogadores ou dirigentes.
Folha - O Bernardo (novo volante do Corinthians) reclamou de racismo na Alemanha, que foi xingado por pessoas até no supermercado. Isso preocupa você, que pretende jogar no exterior?
Júnior Baiano - É claro que ser xingado não é bom. Deixa qualquer um chateado. Mas se for para a Europa, vou para jogar futebol e não para ser simpático a todo mundo.
Folha - Ser negro é uma desvantagem para quem quer ser jogador no Brasil?
Júnior Baiano - Não. Acho até que pode ser uma vantagem. Por algum motivo, acho que por causa do Pelé, as pessoas levam mais fé num jogador negro do que num branco.
Folha - No passado, o racismo existia quase às claras no futebol. Hoje, ele não está apenas mais escondido?
Júnior Baiano - Não. Quando comecei a jogar os tempos já eram outros. A época do racismo já acabou. Hoje, acho até que tem mais negros no futebol do que brancos.
Folha - Não há distinção de tratamento entre os jogadores, nem do ponto de vista sócio-econômico? (No São Paulo, por exemplo, o atacante Caio é de uma família de classe média alta, que mora no Morumbi.)
Júnior Baiano - Claro que não. Não interessa se o cara é rico ou pobre. Só interessa o quanto cada um sabe jogar. Todo mundo consegue um lugar no time por seus méritos. E só pode ser assim. Se o dinheiro contar para conseguir um lugar no time, o futebol vai acabar.
Folha - Você sempre quis ser jogador?
Júnior Baiano - Sim. Meu pai era goleiro. O nome dele era Mundinho e jogou em vários clubes do Nordeste, como o Fluminense (BA) e o Ceará. Ele nunca saiu de lá.
Folha - Ele conseguiu muito com o futebol?
Júnior Baiano - Não. Comprou uma casa. Tem renda, mas só. Nunca comprou um carro, essas coisas. Por isso, trabalhava quando era pequeno.
Folha - E assim mesmo quis ser jogador...
Júnior Baiano - Quando ele jogava, eu ia ver. Às vezes, faltava na escola para jogar pelada.
Folha - Como você começou a jogar bola?
Júnior Baiano - Comecei numa escolinha de Feira de Santana, com 11 anos. Depois, fui para um time amador chamado Mecânico e daí para o Fluminense, de Feira (de Santana).
Fiquei dois anos nos juvenis, em que jogava, estudava e trabalhava numa loja de material esportivo, como ajudante. Varria e guardava o material que chegava no depósito.
Folha - Como você foi para o Flamengo?
Júnior Baiano - O Orlando Peçanha era o técnico do Fluminense de Feira e me indicou para fazer um teste. Eu aceitei e fui. Larguei a escola (iria começar a segunda série do segundo grau).
Folha - Você foi sozinho?
Júnior Baiano - Veio um cara do Flamengo me pegar.
Folha - Você tinha certeza que iria aprovar?
Júnior Baiano - Não. O pessoal gostava de mim, mas eu fui para o Flamengo meio como um contrapeso. Junto foram dois outros jogadores do Fluminense, que eram os craques do time.
Mas um dia, o Jorginho, meu irmão, foi lá no Rio e me chamou para comer uma pizza. Ele me disse que o Flamengo gostava de zagueiro que jogava duro e que tinha certeza de que eu ia dar certo.
Folha - E os outros dois que vieram do Fluminense?
Júnior Baiano - Não ficaram muito tempo e logo foram devolvidos. Acho que os dois ainda estão jogando, mas não sei onde. Nunca mais ouvi falar deles.
Folha - Por que você criou fama de jogador violento?
Júnior Baiano - No começo, levava muita cotovelada e comecei a revidar. Também a torcida gostava da minha raça.
Folha - E por que você acertou o Gilmar?
Júnior Baiano - Quando vi, ele estava quase em cima de mim e não sabia o que ele ia fazer.
Folha - Por que você foi para o São Paulo, se era ídolo no Flamengo?
Júnior Baiano - Queria sair do Flamengo. O clube estava mal financeiramente. Mas achei que ia para o Corinthians.
Folha - Como assim?
Júnior Baiano - Um dia, perto do Natal de 1993, o Henrique Alves (na época, vice-presidente de futebol) ligou para casa e acertou tudo comigo. Disse que iria procurar o Flamengo para comprar meu passe.
No dia seguinte, os diretores do Flamengo me ligaram e mandaram ir a São Paulo, mas para negociar com o São Paulo.
Folha - Quando você veio para o São Paulo, disse que não iria mudar seu estilo, mas mudou. Por quê?
Júnior Baiano - Continuo sendo um jogador que joga forte. Hoje, não me importo com o que dizem de mim. Só quem tem que gostar do meu jogo é o Telê.

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