São Paulo, domingo, 15 de janeiro de 1995
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O amor nos tempos da Aids

BERNARDO CARVALHO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Quando a Farrar, Straus & Giroux publicou os "Collected Poems", de Thom Gunn, no ano passado, a mídia tentou transformar esse poeta inglês de 65 anos em estrela pop das letras.
Já tinham farejado qualquer coisa em seu último livro, "The Man With Night Sweats" ("O Homem com Suores Noturnos", 1992), que tratava da Aids e do universo gay de San Francisco com uma qualidade, uma sofisticação formal e uma "contenção" raras na produção literária que lida com esses temas.
Embora apenas recentemente alçado ao estrelato para o grande público, Gunn vinha publicando, discretamente, uma obra séria e consistente desde os anos 50 na Inglaterra. Mudou-se para os EUA quando seu amante, um estudante americano de pós-graduação que havia conhecido em Cambridge, foi convocado a servir na Aeronáutica. Acabaram se instalando em San Francisco, de onde falou à Folha, por telefone.

Folha - Você foi muito elogiado pela imprensa americana recentemente. Como você explica esse súbito interesse pelo seu trabalho? Você acha que há um novo interesse pela poesia nos EUA?
Thom Gunn - Não. Acho que sempre houve interesse. Mas houve um interesse maior pela ênfase do meu livro de 92, "The Man with Night Sweats", sobre Aids. Eles gostaram disso, acharam que era um bom assunto para poesia (risos). Fiquei famoso, para minha surpresa. Mas sempre houve um público enorme de poesia nos EUA e na Inglaterra.
Folha - Você não acha que o interesse predominante pelo tema pode desviar o interesse pela poesia e criar mal-entendidos?
Gunn - Não existe "poesia pura". A poesia tem um tema. As pessoas sempre estiveram interessadas no tema da poesia. A grande popularidade de Byron era consequência do herói byroniano. Shakespeare tinha os temas mais sensacionais. O tema sempre tendeu a ditar o interesse. Minha poesia não existiria sem o tema.
Folha - Você concorda que seu trabalho seja autobiográfico ou refuta este tipo de classificação?
Gunn - Em parte é, em parte não. Digamos que ele seja baseado na experiência, o que não é a mesma coisa que autobiográfico. Por exemplo, o poema "All Do Not All Things Well" (Ninguém é Bom em Tudo), sobre os dois sujeitos que consertam carros, é baseado em experiências mas não pode ser chamado de autobiográfico, porque eu mal faço parte dele. A quarta parte do livro, "The Man with Night Sweats", não é sobre mim mas sobre um personagem hipotético.
Folha - Como ser gay tem consequências nos seus poemas?
Gunn - Da mais óbvia. É de onde vem grande parte dos temas.
Folha - Você acha que existem outras consequências além dos temas, na forma por exemplo?
Gunn - Na métrica? Não vejo nenhuma conexão evidente. Uso métrica e rima, porque sinto maior liberdade com esse tipo de estrutura.
Folha - Seus poemas são considerados contidos, controlados. Como você vê o seu trabalho em relação ao de outros poetas de língua inglesa que tratam de temas homossexuais de uma forma mais exaltada? Você sente afinidades com a tradição americana de Walt Whitman, Allen Ginsberg etc. Ou se sente mais próximo dos ingleses?
Gunn - Publiquei um livro de ensaios em 93, com textos sobre Ginsberg e Whitman, que admiro profundamente. Whitman era surpreendentemente corajoso para o seu tempo. Em "Passages of Joy", meu livro anterior a "The Man with Night Sweats", muito era sobre a experiência gay, e os críticos, particularmente os ingleses, não gostaram nem um pouco, por ser tão aberto. Não acho que minha poesia seja reticente.
Folha - Você acredita que possa haver uma poesia ou sensibilidade gays?
Gunn - Não. Essas são classificações temporárias que podem ter uma utilidade política, mas nunca acreditei numa sensibilidade gay. "Poesia gay" é uma classificação, assim como "poesia de paisagem". Me parece útil como uma classificação política temporária.
Folha - O que mudou na sua poesia com o impacto da Aids?
Gunn - Os temas. Que eu saiba, nada mais.
Folha - Em "In Time of Plague" ("Em Tempos de Peste"), você escreve sobre os perigos da associação entre sexo e morte. Quais são os perigos dessa associação? Você acha que ela abre uma nova perspectiva poética sobre o sexo?
Gunn - É uma perspectiva muito antiga: Eros e Tânatos. Foram associados com muita frequência, em John Donne, por exemplo. E em vários outros poetas. Não é uma nova associação. Os franceses chamam o momento do orgasmo de "pequena morte". Está na própria linguagem. Porque orgasmo é um momento para além da consciência. É um tipo de morte. A Aids é um novo tipo de conexão entre duas coisas que sempre estiveram conectadas na cabeça das pessoas.
Folha - Você acredita em poesia engajada?
Gunn - Você pode fazer boa poesia engajada, pode fazer boa poesia a partir de qualquer coisa. Allen Ginsberg é um exemplo.
Folha - Você acha que "The Man with Night Sweats" é um livro político?
Gunn - Não.
Folha - Por que?
Gunn - Porque deveria ser? Não sou Ginsberg. Não sou politicamente engajado. Mas não acho que a poesia deva ou não ser política. Ela pode ser. Acho que nunca escrevi um livro político, como nunca escrevi sobre o Vietnã.

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