São Paulo, domingo, 15 de janeiro de 1995
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Imagens de Lévi-Strauss ampliam o Brasil de "Tristes Trópicos"

FERNANDA PEIXOTO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Durante muito tempo o Brasil foi apenas uma breve referência nas várias entrevistas concedidas por Claude Lévi-Strauss sobre sua vida e obra.
A partir de 1988, entretanto, o país passa a ocupar um espaço importante nas reconstituições autobiográficas do etnólogo belga, sobretudo no depoimento publicado por Didier Eribon, "De Près et de Loin" e no volume "Des Symboles et leurs Doubles" (1989), onde é apresentado o material –textos e objetos– de sua experiência de campo brasileira.
Agora, "Saudades do Brasil" traz o país para o primeiro plano, através das belíssimas fotografias tiradas nos anos 30 pelo então jovem antropólogo e professor da USP e por seu pai, pintor-retratista.
O período brasileiro de Lévi-Strauss, embora curto, é fundamental para o desenvolvimento posterior de sua obra e carreira. A partir dessa experiência, o jovem professor de filosofia torna-se um etnólogo, um americanista: inicia-se na prática etnográfica, expõe em museus e galerias francesas o material coletado e publica seus primeiros textos na área. Diz ele, em Tristes trópicos: "Um ano depois da visita aos Bororo, todas as condições para fazer de mim um etnógrafo estavam satisfeitas...".
Sua produção, ainda que mescle informações etnográficas de várias regiões americanas, apóia-se, em larga medida, na etnografia realizada no Brasil. Não por acaso, os quatro volumes das "Mitológicas" partem de um mito bororo.
Mas o silêncio de Lévi-Strauss sobre o Brasil é relativo, já que em 1955 ele escreve um livro inteiramente dedicado às viagens em território brasileiro. É bom lembrar, entretanto, que "Tristes Trópicos" não é um simples relato da experiência brasileira do antropólogo (embora também o seja), nem um retrato do país (ainda que o compreenda). Trata-se de um livro que parte do período brasileiro do autor, mas que se descola dele, alçando outros vôos.
As saudades do Brasil de que fala Lévi-Strauss neste último livro são, antes de mais nada, nostalgia da mocidade, do começo. Saudades também dos índios, que dos anos 30 para cá tiveram suas condições de vida extremamente alteradas. As saudades permitem a recordação e a memória, que dizem respeito a um percurso individual e a uma experiência compartilhada.
O tom memorialístico, confessional, marca a narrativa de "Saudades do Brasil", assim como a de "Tristes Trópicos" (o antropólogo escreve sobretudo confissões, disse certa vez Lévi-Strauss falando de Rousseau).
O texto de 1955 está construído principalmente sobre o drama e a experiência dilacerada da viagem. É de decepção que fala Lévi-Strauss ao descrever os trópicos como tristes, decaídos: sua paisagem, suas cidades, sua elite, seus índios. Decepção do antropólogo com a realidade encontrada –tão distante da sonhada através das páginas de Jean de Léry– e consigo próprio, representante de uma civilização que produz destroços.
Em "Saudades do Brasil", por sua vez, as imagens congelam o retrato do passado em seus traços fundamentais. Mas, curiosamente, ao trazer à tona conteúdos tão plenos e exuberantes, repõe, através de um outro recurso narrativo –a exposição da beleza–, o mesmo sentimento de falta e de tristeza contido no livro anterior. Diante da pujança das imagens pretéritas somos lançados à crueza do presente. Ao olhar essas imagens, impossível não sentir saudades do Brasil.

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