São Paulo, domingo, 15 de janeiro de 1995
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Contra o sapo da modernidade

FERNANDO BONASSI
ESPECIAL PARA A FOLHA

"Tiziu" é um livro que está fora de moda. Está fora de moda, em primeiro lugar, porque comete a ousadia de nadar contra a corrente do bom-gostismo editorial, que recomenda um "mix competente" de "narrativa enxuta" com imagens poéticas nem muito sofisticadas (que afinal não pega bem reiterar a pobreza espiritual dos simpáticos leitores) e nem coloquiais demais (que também ninguém vai vai querer olhar essa mesma pobreza estampada impunemente num "objeto de cultura", certo?).
Em segundo lugar, "Tiziu" está fora de moda porque seu autor, o baiano Roniwalter Jatobá, teve o desplante de abandonar o volante do caminhão que dirigia para ganhar a vida e tornar-se escritor. Realmente, não pega bem um cara como ele no mundo literário, com suas imagens secas, suas frases truncadas, com seus personagens vegetando a sobrevivência poucos graus acima dos animais...
Talvez o que faça o novo livro de Roniwalter (ele que já publicou "Sabor de Química", "Crônicas da Vida Operária" e "Pássaro Selvagem") ser tão violentamente fora de moda seja a plácida descrença que paira em cada uma de suas páginas. Taí uma coisa feia de se fazer quando todo mundo está muito a fim de acreditar...
Ao acompanharmos a trajetória de Agostinho, sabemos desde logo que estamos junto de uma causa perdida, de um homem que ficou à margem do país do futuro e ao qual só resta a irremediável e cotidiana depauperação.
Agostinho deixa a cidade de Bananeiras, no interior da Bahia, e vem a São Paulo, virar mão-de-obra barata, como tantos de seus conterrâneos, na ilusão de conquistar algo que representa uma melhora, qualquer uma.
Vive essa ilusão o quanto pode e, na hora em que ela se vai de uma vez, com sua mão esmagada por uma prensa, descobre que nem voltar ao início pode mais. Ele caiu tanto que apenas retornar ao ponto de partida de sua história sem sentido já seria a maior das vitórias.
E, o pior, ele sabe disso. E o diz na sua cara de nojo, meu amigo. Eu imagino que um livro como esse incomoda muita gente. "Tiziu" não tem refresco. Neguinho que quer se divertir tem que passar longe dele. Mas é preciso ler "Tiziu". É preciso porque, muito provavelmente, quando ele cair nas mãos do beletrismo civilizatório dos resenhistas, vai ser massacrado. E os leitores precisam saber que nem todo mundo tem aquela euforia servil de engolir o sapo da modernidade, mesmo sabendo que muita gente nem vai sentir o cheiro da dita.
"Tiziu" está fora de moda porque regurgita essa modernidade. Faz isso - tudo isso - política e esteticamente, por você e por mim! Leia "Tiziu", não vai sobrar nada da sua hipocrisia.

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