São Paulo, domingo, 15 de janeiro de 1995
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Os norte-americanos vivem um estado de espírito conservador

PAUL SAMUELSON

A oposição republicana à Presidência de Clinton conquistou o controle majoritário do Senado e da Câmara dos Deputados dos Estados Unidos, superando as expectativas baseadas na fraqueza e falta de popularidade do presidente.
O que aconteceu não foi um simples desvio em direção aos republicanos. Os Estados Unidos vivem um estado de espírito conservador.
Esse fato pode ser atestado pela fraqueza geral manifestada pelos democratas liberais e republicanos moderados nas eleições.
Os resultados deverão ter consequências de longo alcance, que vão provavelmente perdurar até depois das eleições de 1996.
Falando a grosso modo, com base nas evidências atuais, William Clinton será um presidente de um só mandato, mais ou menos como seu antecessor democrata, Jimmy Carter, e o republicano George Bush.
Se os EUA tivessem um sistema de gabinete parlamentar como o do Reino Unido, poderíamos prever uma revolução imediata em direção à direita. Mas nosso sistema é um sistema de controles e contrapesos.
É bem possível que ocorra um período de paralisia governamental. Durante esse período, o presidente Clinton poderá vetar vários dos novos projetos de lei aprovados pelo novo Congresso –isto é, se ele tiver a coragem obstinada necessária para fazê-lo.
Mas as coisas não iriam parar por ali. Com a ajuda dos democratas conservadores, o Congresso poderia, sem dúvida, passar por cima dos vetos presidenciais.
Darei alguns palpites razoáveis sobre o novo jogo de bola da política norte-americana.
1. Os Estados Unidos se tornarão mais isolacionistas. Tomem nota disso, muçulmanos bósnios. Tomem nota, israelenses. Tomem nota, sul-coreanos. Tome nota, ONU. Tomem nota, imigrantes mexicanos e outros.
2. A política interna fará um desvio favorável às classes de renda mais alta e desfavorável aos pobres e às minorias.
Assim como o movimento sindical vem perdendo influência nos últimos anos, a importância política efetiva dos afro-americanos sofrerá uma queda generalizada nos próximos anos.
Os hispânicos, de modo geral, já podem perceber a direção dos ventos políticos futuros pela bem-sucedida campanha realizada pelo governador republicano da Califórnia, Pete Wilson, para convencer o populacho a votar a favor da proposição 187 –que exclui o acesso dos estrangeiros em situação ilegal nos EUA aos serviços governamentais básicos de saúde e educação.
3. Pode-se prever, especificamente, uma redução dos impostos sobre ganhos de capital e heranças. Uma redução de impostos favorável às classes médias, mesmo que isso signifique a reversão da redução do déficit orçamentário, parece ser provável.
4. Ultimamente as coisas não andam bem para o lado dos ambientalistas. Agora que a direita falou, e falou alto, nós liberais devemos ser acrescentados à lista das espécies que estão em perigo de extinção.
5. As seguintes perguntas são vitais tanto para os norte-americanos quanto para os exportadores na Europa, Ásia e América Latina:
A vitória republicana vai comprometer a forte expansão econômica ocorrida nos Estados Unidos sob a administração Clinton?
Ela ameaça o nível de emprego nos Estados Unidos? Será que o predomínio republicano vai acelerar os tempos de recessão, como já aconteceu tantas vezes no passado?
A economia não é uma ciência exata. Mas a maior parte das evidências de que dispomos permite uma resposta tranquilizadora a essas perguntas.
A recuperação norte-americana tem sido, e é atualmente, a melhor entre as principais economias do mundo –melhor do que a do Japão ou da Alemanha.
Vejo ímpeto suficiente aqui para dar continuidade à recuperação vivida sob a Presidência de Clinton, pelo restante de seu mandato.
A arrasadora vitória conservadora já motivou o Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) a pisar um pouco mais fundo nos freios monetários, num esforço confiável para tornar nossa expansão atual sustentável por um período mais longo.
Façam figas para que o Fed não se sinta encorajado demais no perigoso jogo de procurar atingir uma inflação de virtualmente zero num prazo curto demais –meta esta que seria impossível atingir sem uma nova recessão.
6. Concluindo, a experiência norte-americana talvez possa oferecer algumas lições úteis a movimentos governamentais rivais no exterior.
Talvez o governo espanhol de centro-esquerda queira reconhecer que o moderno Estado de bem-estar social precisa, necessariamente, ser o Estado limitado de bem-estar social que compreende a necessidade vital de mercados desregulamentados de bens e trabalho.
Vivemos uma era de descontentamento. Não há, em praticamente nenhum país, um governo que seja extremamente popular junto a seu próprio eleitorado.
Será que numa democracia os eleitores só recebem os governos que merecem?

Tradução de Clara Allain

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