São Paulo, domingo, 15 de janeiro de 1995 |
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'Testamento' não se sustenta
ANDRÉ FONTENELLE
"Meu Testamento" ("Mon Testament"), de autor anônimo, lançado esta semana por Editions du Rocher (215 págs., US$ 22), pretende ser uma autobiografia. Um "amigo veneziano" do presidente, chamado "Mirtilio M.", teria recebido o manuscrito das mãos do próprio Mitterrand. "Se o presidente não é o redator desse 'testamento', só uma pessoa próxima dele pode sê-lo", afirma o editor Jean-Pierre Bertrand. Ou um jornalista bem-informado, pois o livro não contém nenhuma revelação bombástica. É impossível acreditar que o presidente tenha tão pouco a revelar. Após a publicação do livro, a imprensa francesa manteve um silêncio constrangido. As raras novidades: Mitterrand teria tido um palácio em Veneza (donde o desmentido do presidente), teria forjado um atentado contra si mesmo e teria tido um filho, morto aos 3 anos, com a mulher, Danielle, antes do casamento. A história do atentado é conhecida. Mitterrand escapou ileso de disparos contra seu carro, em Paris, em 1959. Na época, muitos desconfiaram de uma fraude e o hoje presidente quase viu sua carreira política encerrada. O livro não conta nada de novo. Nele, "Mitterrand" só diz: "Eu montei essa tentativa de assassinato." Quanto ao filho desconhecido, o texto mostra que provavelmente seu autor sabe pouco sobre o assunto: "E depois houve essa criança, morta aos 3 anos", é tudo o que se pode ler. O autor também diz ter uma "atração insaciável pelas mulheres". Insinua um caso com a cantora Dalida (1933–87) e diz que se comportou "como o mais fiel dos maridos infiéis". As "revelações" não passam de rumores sobre a carreira de Mitterrand que o autor do texto brinca de confirmar ou desmentir. O terrorista Carlos, o Chacal, foi entregue pelo Sudão em troca de três aviões? Sim. Mitterrand se relacionou com o colaboracionista René Bousquet até a morte deste? Não. E assim por diante. A preocupação em citar datas, artigos de jornais e pequenos detalhes reforça a impressão de que a obra é de um jornalista. O estilo do autor não lembra os discursos sem pieguice de Mitterrand. Volta e meia o leitor se depara com pseudo-reflexões do gênero: "Sinto a agonia de Veneza como sinto a minha. Como um fracasso fundamental. Um fracasso irreversível após um sucesso sem igual." A frase dá uma idéia do tom do livro: um Mitterrand à beira da morte (aos 78 anos, tem câncer na próstata em estado avançado) fazendo um balanço de seus erros. Longa enumeração, a começar pelo flerte com a extrema direita na juventude –nada que não tenha sido revelado antes. Depois, os erros nas indicações dos premiês socialistas, como Michel Rocard e Edith Cresson. Também aí, nada de novo. Texto Anterior: Separatistas admitem avanço dos russos na capital da Tchetchênia Próximo Texto: Família de King é pressionada Índice |
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