São Paulo, domingo, 15 de janeiro de 1995
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O emergencial e o importante

Entre os muitos aspectos da crise mexicana, de ordem política e econômica, ganhou destaque a própria incúria com que as autoridades do país procederam ao longo de todo o episódio. O tamanho do estrago, especialmente no que se refere à confiança nas políticas futuras, poderia ser menor tivesse o governo percebido a emergência e agido com a devida presteza.
A atitude do governo brasileiro ao longo da crise que, note-se, está longe do fim, foi de sangue frio. Mesmo assim, apesar da insistência nas peculiaridades da economia brasileira, o governo afinal decidiu-se pelo relaxamento das restrições que havia imposto às operações de financiamento aos exportadores, as chamadas Antecipações de Contratos de Câmbio (ACCs).
É oportuno relembrar o contexto em que tais restrições foram estabelecidas. Nos meses imediatamente posteriores ao Plano Real, crescia a preocupação com a valorização do câmbio. Ou seja, na economia brasileira o real valia cada vez mais e o dólar, cada vez menos.
Passado o primeiro turno da eleição presidencial, a equipe econômica passou a fazer ajustes contra o excesso de consumo e crédito, mas também contra a valorização do câmbio. Para restringir a queda do dólar, limitou a oferta de moeda estrangeira através de restrições ao crédito a exportadores.
A reversão dessa política é um reconhecimento, por parte do governo, de que a economia brasileira não é tão imune aos efeitos da crise mexicana. Imaginava-se sustentar um modelo em que as contas externas rumavam para o déficit no comércio e serviços. Esse déficit seria financiado por uma generosa entrada de capitais. A crise revelou a fragilidade da hipótese de financiamento externo fácil.
Diante da incerteza quanto ao fluxo futuro de capitais, o governo agora busca estímulos às exportações para evitar déficits crônicos no comércio exterior.
A medida é oportuna e emergencial. Entretanto, algumas questões já se colocam. Em primeiro lugar, é o caso de perguntar se o mesmo problema de atraso cambial não será agravado. Sendo superavitário o comércio e supondo pelo menos que não haverá fuga de capitais, é razoável imaginar que a pressão vendedora de dólares continuará.
O estímulo financeiro às ACCs, aliás, será eficaz apenas na medida em que os juros internos continuarem bem acima dos externos. O problema, já vivido no passado, é recolocar-se a ciranda financeira em que os juros altos levam à atração de recursos externos que, convertidos em reais, precisam ser enxugados –com juros altos.
De outro lado, uma das críticas que levou o governo a restringir as ACCs foi a proliferação de irregularidades na negociação desses contratos. Cabe indagar se foi dado algum passo no sentido de regulamentar e fiscalizar com maior eficácia essas operações.
Há um problema central, de difícil solução no curto prazo, que é o exagero da valorização do real. É importante reagir aos riscos advindos da crise mexicana, e a retomada das ACCs é uma solução emergencial adequada. Ao mesmo tempo é essencial não esquecer das dificuldades que o próprio governo soube ver, no passado recente, no uso e abuso desse instrumento.
É crucial saber responder com firmeza a uma situação excepcional. Mais importante ainda é não confundir a emergência com o que é de fato importante.

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