São Paulo, segunda-feira, 16 de janeiro de 1995
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Bresser desarma "bombas" nas duas primeiras semanas

CARLOS ALBERTO SARDENBERG
DA REPORTAGEM LOCAL

"Temos de tomar cuidado com a corrupção, mas não um cuidado tal que torne o custo da gestão maior que as eventuais corrupções que ocorreram"

O ministro da Administração e da Reforma do Estado, Luiz Carlos Bresser Pereira, 60 anos, passou as duas primeiras semanas de governo "desarmando bombas".
Não era uma orientação, mas uma manobra dos interessados. Também isso foi bloqueado. As readmissões dependem de haver recursos e necessidade.
Em meio a isso, Bresser tratou do reajuste do funcionalismo, ainda indefinido, e disse que haveria demissões. Nesta entrevista à Folha, dada na última sexta-feira, Bresser confirma que haverá demissões.
E explica propostas para a "flexibilização" da estabilidade e da aposentadoria e para a transformação de entidades como as universidades federais em fundações públicas não-estatais.

Folha - Vai haver demissões de funcionários públicos?
Luiz Carlos Bresser Pereira - A orientação é a de que o governo enxugue a máquina, mas de uma maneira prudente. Especialmente porque não há excesso muito grande de funcionários entre os que não são estáveis. Mas há funcionários que não são necessários e esses devem ser demitidos.
Folha - Sabe quantos?
Bresser - Ainda não. Temos feito levantamentos, mas é uma coisa informal. Não existe plano de demissão em massa.
Folha - O processo de isonomia salarial acabou?
Bresser - Está suspenso enquanto discussão com funcionário para aumentos específicos. Qualquer administração se preocupa com um quadro de salários racional ou isonômico. Nisso, eu vou me empenhar. Agora, se vier um fulano pedindo aumento de salário por isonomia, eu nem discuto.
Folha - Quanto será o reajuste salarial do funcionalismo?
Bresser - Estamos aguardando os cortes no orçamento para verificar quanto se poderá pagar. A discussão principal é saber se os 22% saem de uma vez ou parcelados.
Folha - Então os 22% estão garantidos?
Bresser - Não, o teto é 22%. Existe uma proposta de se dar apenas 7%, que é o permitido pelo orçamento hoje, sem os cortes. É a menos provável.
Folha - E quanto vão ganhar os ministros?
Bresser - Ao que tudo indica, o mesmo que deputados federais, que devem ir para R$ 8 mil. Essa, aliás, é a média histórica dos deputados. Espero, por isso, que a Folha não faça escândalo.
Folha - O governo vai aumentar o salário do segundo escalão dos ministérios?
Bresser - Vai. Os principais administradores públicos, os secretários e os chamados DAS-5 e 6 (cargo de Direção e Assessoramento Superior), terão remuneração compatível. Pelo menos esses.
Folha - Quanto?
Bresser - Digamos que R$ 6 mil é um bom número.
Folha - Acha isso bom para gente de primeiro nível?
Bresser - Olha, ninguém vai ficar rico trabalhando para o governo. No setor público, o administrador deve ter um salário decente e a missão de poder servir o país, que é extremamente gratificante.
Folha - No geral, o funcionário público ganha mal no Brasil?
Bresser - Há um desequilíbrio. Os salários dos funcionários de nível mais baixo (faxineiros, auxiliares, motoristas) são em média equivalentes ou um pouco acima do mercado. Certos grupos técnicos, como as profissões jurídicas, também têm salário de mercado ou um pouco acima. Agora, os gerentes da administração pública recebem salários substancialmente menores. E não existe carreira.
Folha - O senhor mantém a proposta de extinguir a estabilidade?
Bresser - Não se trata de acabar, mas de flexibilizar. Só os funcionários de carreira de Estado (juízes, promotores, diplomatas, fiscais, delegados da Polícia Federal etc.) devem ter estabilidade. Já funcionários de cargos administrativos gerais devem estar sujeitos à demissão.
Folha - Hoje, como se pode demitir um funcionário?
Bresser - É na base do tudo ou nada. Ou o funcionário é estável ou é demitido a bem do serviço público, por falta grave, com inquérito administrativo, e aí não tem direito a nada. É preciso criar a possibilidade de demitir uma pessoa porque é incompetente ou desinteressada. É a demissão sem justa causa, como na empresa privada, mas garantindo direitos, como indenização e manutenção do tempo de aposentadoria etc.
Folha - A idéia é propor a flexibilização da estabilidade para todo o setor público, incluindo Estados e municípios?
Bresser - Sim, mesmo porque a estabilidade é um problema dramático para as prefeituras. Hoje, a situação é a seguinte: um prefeito populista admite um número brutal de pessoas. Aí vem um prefeito bom e está engessado, não tem condição de fazer nada, porque não pode demitir os ineficientes.
Folha - Mas, extinta a estabilidade, o prefeito ruim pode demitir os funcionários eficientes só para empregar seus amigos.
Bresser - De fato, isso pode acontecer. Mas o prefeito tem que ser controlado pela sociedade e punido pelos eleitores. Muito pior é inviabilizar os bons prefeitos.
Folha - O governo pretende também flexibilizar a aposentadoria do funcionário público?
Bresser - Sim, a regra da aposentadoria deve ser a mais semelhante possível para os funcionários públicos e os trabalhadores do setor privado. Com dois pontos essenciais: a aposentadoria deve ser por idade. E não pode ser integral. No resto do mundo, a aposentadoria varia de 60% a 65% do salário. Aqui, funcionário aposentado ganha de 100% a 110%. Acho que seria razoável uma redução para 80%.
Folha - O senhor pretende privatizar alguma coisa?
Bresser - Não, mas estou propondo algo parecido, que chamo de "publicização". Trata-se de transformar atividades estatais em atividades públicas não-estatais. Universidades federais, museus, hospitais, por exemplo, não podem privatizadas, isto é, transformadas em entidades que visem lucro. Mas podem ser organizações voltadas para o interesse público, sem fins lucrativos, e também sem pertencerem ao Estado.
Folha - Seriam o quê?
Bresser - Seriam fundações regidas pelo direito privado, para ter flexibilidade administrativa. E dirigidas por conselhos amplos, representativos da sociedade. Quem manda nelas é o conselho, não o presidente da República ou o governador do Estado.
Folha - O governo continuará financiando essas fundações?
Bresser - Sim, inclusive com recursos orçamentários, mas repassados através de contratos de gestão que estipulem objetivos e resultados. Podem também receber recursos dos Estados e municípios. E sendo não-estatais, podem receber financiamento de pessoas privadas ou ainda vender serviços.
Folha - Qual a idéia básica da reforma do setor público?
Bresser - O modelo de administração pública adotada na Constituição de 1988 é extremamente antiquado. Foi criado no início do século nos Estados Unidos, quando havia muita corrupção e muita desorganização. Então se montou um sistema inflexível, hierárquico, rígido. Partia do princípio de que todo mundo era ladrão, de modo que era preciso criar regras rígidas que bloqueassem a corrupção e os desmandos. Reduziu a corrupção e o arbítrio político, mas se revelou altamente ineficiente.
Folha - Voltamos então à palavra-chave, a flexibilização?
Bresser - Exato. A revolução que se faz na administração pública nos últimos 20 anos, inclusive nos Estados Unidos, é exatamente a da flexibilização. Deve-se admitir que chegamos a um estágio de desenvolvimento econômico, social e político, de modo que não é mais necessário partir do pressuposto da desconfiança. Deve-se privilegiar a administração por resultados. Temos de tomar cuidado com a corrupção, mas não um cuidado tal que torne o custo da administração maior que as eventuais corrupções que aconteçam.

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