São Paulo, terça-feira, 17 de janeiro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Cinema indiano abre espaço para mulheres

LÚCIA NAGIB
ENVIADA ESPECIAL A BOMBAIM

Sai Paranjpye foi quem ofereceu o melhor filme ("Papeeha") da mostra "Mulheres-Diretoras da Ásia", no Festival de Cinema Indiano. Não por acaso. Paranjpye foi a primeira mulher a lançar-se na direção de filmes na Índia, país onde a emancipação feminina ainda tem muito chão a percorrer. E não apenas: como muitos artistas múltiplos de seu país, consolidou-se como escritora e dramaturga, criando também inúmeros seriados de televisão.
Paranjpye tem razão de rejeitar a distinção "mulher" (de inevitáveis ecos depreciativos) no título da mostra, já que seu enfoque do tribalismo indiano, tema de grande parte dos filmes exibidos no festival, deixa para trás o de quase todos os outros diretores, homens ou mulheres. A primeira razão é o abandono decidido do paternalismo e do sentimentalismo, comuns no tratamento das injustiças sociais sofridas pela volumosa população tribal da Índia.
Em "Papeeha", os tribais são tratados em pé de igualdade com os personagens urbanos, constituindo frequentemente a fonte da ironia e do humor para com estes.
Além disso, o filme não se cola à reprodução documental ingênua do real. A configuração de uma tribo estilizada, que fala numa língua artificial, sintetiza com eloquência e de maneira ampla os problemas com a preservação das matas e dos costumes locais.
O tom paródico permitiu, por fim, que Paranjpye utilizasse os números musicais, tão comuns no cinema indiano, como técnica de distanciamento.
Em entrevista à Folha, a diretora explicou sua posição enquanto mulher-cineasta e suas opções de estilo.
Folha - Soube que você discorda dessa classificação "mulheres-cineastas". Por quê?
Sai Paranjpye - Não que eu discorde inteiramente, mas julgo a diferenciação desnecessária. Quando fiz meu primeiro filme, em 78, eu era a única diretora. Hoje somos seis ou sete de proeminência, e muito mais, se se considerar os curtas-metragens e os filmes de televisão.
Desde que comecei, tenho sido bombardeada com questões sobre como me sinto sendo uma mulher diretora. Isso causa algum tédio, quando meu desejo é simplesmente ser vista como cineasta.
Intencionalmente ou não, às vezes há condescendência no julgamento de um filme dirigido por mulher. Pensa-se: "não é mal, em se tratando de uma mulher..."
Por outro lado, num festival de cinema, não tenho objeções em haver uma seção para mulheres-cineastas, porque atrai a atenção para o que estamos fazendo. Mas já que fomos privadas por tanto tempo, por que não?
Folha - A seu ver, qual a posição da mulher na sociedade indiana?
Paranjpye - É uma questão extremamente ampla. De qual mulher indiana estamos falando? Da instruída, que é alta executiva, médica, arquiteta, cientista nuclear? Esta mulher está fazendo tudo que os homens fazem.
Por outro lado, há a mulher que não sai de casa, que não move um dedo sem a permissão do marido ou dos parentes, ou que está tão presa à tradição, que é uma cidadã inteiramente de segunda classe.
Entre esses dois tipos, há toda uma gama. Há a mulher tribal e as diferenças de região para região. Em minha região, Maharashtra, as mulheres são razoavelmente liberadas e instruídas, mesmo as operárias ou as mais pobres. Mas em lugares remotos, em bolsões de Andhra Pradesh, há a dominação completa do homem. Portanto, não se pode generalizar.
Folha - Você define seu filme como um conto de fadas, mas a história dos tribais tem contatos evidentes com a realidade.
Paranjpye - É uma fábula moderna, contada (segundo espero) de maneira divertida, para chamar a atenção para o problema do meio ambiente, ou apenas para celebrar nosso meio ambiente. Mas certamente tem vínculos com a realidade, embora eu não tenha dado um nome real à tribo, porque daí teria de ser fiel à língua, aos costumes e assim por diante.
Usei uma generalização de tribo, inventamos uma língua, inspirada em dialetos que realmente existem, e a história é baseada em fatos verdadeiros. Só não quis me atrelar, nem mesmo a movimentos ecológicos, porque o filme tinha que respirar livremente.
Folha - As mulheres tribais, no filme, são bastante feministas...
Paranjpye - Sim, em várias tribos da Índia as mulheres são razoavelmente liberadas, e podem se rebelar quando postas contra a parede em função de algo em que acreditam. Mas de novo há as diferenças de uma tribo para a outra.
Folha - Qual a razão da inclusão de trechos de música e dança, tão batidos no cinema indiano em geral?
Paranjpye - Eu adoro canções em filmes, é uma tradição que aceito com prazer. Para um estrangeiro, pode parecer um pouco estranho que, num filme narrativo, os personagens de repente comecem a cantar e dançar.
Mas acredito que esses números musicais não são mais estranhos do que a música de fundo. As canções são também necessárias à narrativa. A primeira introduz o motivo da fauna e da flora, e a última é quando as tribais descobrem piolhos nos cabelos da forasteira instruída e finalmente a aceitam entre eles.

Texto Anterior: Caixa contém faixas nunca comercializadas
Próximo Texto: Diretor seduz com fábula tribal
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.