São Paulo, quinta-feira, 19 de janeiro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Desespero domina o dia seguinte em Kobe

ABI SEKIMITSU
DA REUTER EM KOBE, JAPÃO

É como se uma garra gigantesca tivesse arranhado esta bela cidade, dilacerando-a por baixo e esmagando-a por cima.
Andar pelos bairros mais atingidos de Kobe era quase impossível na quarta-feira, com suas ruas de asfalto quebrado e dobrado para cima repletas de escombros, pilhas de lixo e linhas telefônicas rompidas e caídas no chão.
Os habitantes desta cidade começavam, lentamente, a abrir caminho em meio aos destroços, mas, com energia elétrica, água e gás ainda cortados, este não era de forma alguma um esforço organizado.
A maioria das pessoas procurava comida e água. Algumas faziam fila nas poucas lojas abertas, enquanto outras poucas chegavam a saquear lojas abandonadas.
Outros sobreviventes ainda em estado de choque lotavam 350 centros para desabrigados, pacientemente esperando a chegada de assistência, depois de passarem uma noite traumática e insone.
"É melhor tentarmos pegar o que for possível agora mesmo", resmungaram os Kanematsus, um casal idoso que revistava os escombros de sua casa, à procura de pertences pessoais. "Estou procurando meus óculos, mas não consigo encontrar", disse o marido.
Cenas semelhantes se repetiam pela cidade inteira.
Os desabrigados se reuniam em volta de fogueiras improvisadas, carregando os poucos alimentos que conseguiam e trocando informações. Alguns cozinhavam arroz em caldeirões de acampamento.
O incidente mais perigoso do dia seguinte ao terremoto foi um grande vazamento de gás num tanque situado no cais do porto. Os moradores da área próxima já haviam sido evacuados anteontem.
O prefeito de Kobe ordenou a evacuação de 70 mil pessoas da ilha Rokko, um bairro residencial e partes do cais do porto.
Mas os moradores revistavam os escombros e se amontoavam em abrigos lotados, onde normalmente funcionam escolas ou centros comunitários, mas que agora abrigam refugiados abatidos, embrulhados em cobertores.
Numa loja de aves, à luz de velas, balconistas ofereciam aos transeuntes sacos de frangos tirados de geladeiras tombadas.
Na única rodovia aberta entre Kobe e Osaka, um engarrafamento monstruoso saía de Kobe e se estendia por dezenas de quilômetros. A estrada estava fechada na direção inversa, e os únicos que iam a Kobe eram carros fúnebres.
Muitos fugiam da cidade de bicicleta e idosos eram empurrados em carrinhos de mão. Outros levavam carrinhos de compras cheios de colchões e cobertores.
O terremoto chocou a comunidade empresarial internacional de Kobe, na maioria comerciantes chineses e indianos estabelecidos há muito tempo lá.
Na loja Rokko Sarees, no centro de Kobe, o gerente Gurdip Khorana, 25, olhava deprimido para os coloridos sáris (vestimentas de mulheres hindus) com bordados dourados espalhados por uma vitrine de 500 kg, estatelada no chão.
"Meu pai abriu esta loja antes de eu nascer. É a mais antiga loja de sáris do Japão", disse Gurdip.
"As vendas estavam caindo recentemente por causa da alta do iene, mas isto é ridículo", disse ele.
No resto da cidade funcionários da companhia telefônica começaram a consertar os fios pendurados e partidos. Pouco a pouco as pessoas voltavam a se falar.

Tradução de Clara Allain

Texto Anterior: Foco 'raso' aumenta destruição
Próximo Texto: Brasileira perde marido e os dois filhos
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.