São Paulo, sexta-feira, 20 de janeiro de 1995
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'Clint' documenta vida de artista prodígio

LÚCIA NAGIB
ENVIADA ESPECIAL A BOMBAIM

"Clint" é um filme envolto em mistérios. O mais curioso deles é que o filme teve suas únicas exibições em São Paulo, em 1994, no festival dirigido por Leon Cakoff.
Até hoje não mereceu qualquer outra projeção pública, na Índia ou fora dela, não tendo sido incluído sequer na seção "Panorama Indiano", no atual Festival Internacional de Cinema de Bombaim.
O grande mistério, porém, refere-se ao assunto do filme. Trata-se de um documentário sobre um menino chamado Clint, morto aos 6 anos e 11 meses, que deixou para trás, apesar do breve período de vida, cerca de 25 mil desenhos e pinturas.
Até aí, nada de muito extraordinário. O fantástico é quando se observam as obras do garoto, executadas a partir de seu primeiro ano de idade. Elas parecem incluir todas as escolas de pintura, de Leonardo da Vinci ao impressionismo e o abstracionismo.
Clint possuía ainda um insaciável interesse científico, estudando a anatomia humana, animal e vegetal e depois a reproduzindo em seus desenhos.
A simplicidade ingênua dos pais do garoto se adivinha já pelo seu nome, escolhido porque Clint Eastwood era o ator preferido do pai. No entanto, embora sequer saibam dizer quem foi Picasso, eles não deixaram de dar todo o incentivo ao filho, desde que, antes de um ano, começou a rabiscar o chão e as paredes da casa.
Também, a pedido do filho, leram-lhe toda a mitologia indiana e mundial, cujos episódios ele desenhava com admirável capacidade imaginativa.
Doente desde os três anos, Clint, de repente, morreu. O mal renal que o atacou não é explicado pelos diferentes médicos que dele trataram.
Antes de ter a convulsão fatal, desenhou cemitérios e cruzes, pediu à mãe que lhe lesse a passagem bíblica da ressureição de Cristo, depois disse: "Agora vou dormir. Não me chame. Se chamar, pode ser que eu não acorde. Mamãe, não fique triste. Mamãe, não chore".
O mistério de Clint mudou a vida de Shiv Kumar, o diretor, um profissional de publicidade que não pensava em fazer cinema antes de ler no jornal sobre o caso do menino-pintor, ocorrido nas proximidades de sua aldeia natal, em Kerala (sul da Índia). Foi atrás da família e acabou tão envolvido, que resolveu fazer um documentário.
Essa primeira tentativa cinematográfica não tem, porém, qualquer traço amadorístico. Kumar restringiu as lágrimas a breves passagens, alternando a exibição dos desenhos com entrevistas de parentes e conhecidos, e acrescentando um comentário sensível sobre o estilo pictórico do garoto.
Mais do que tudo, não tentou explicar o mistério de Clint. Era de se esperar, sobretudo no país religioso que é a Índia, que tentasse alguma interpretação por fenômenos sobrenaturais, como reencarnação ou algo do gênero.
Conforme afirmou à Folha, após uma projeção privada de "Clint", Kumar, ele mesmo, permanece com sua surpresa e sua obsessão irresolvidas. Recentemente, diz ter recebido a notícia de que foi erigido um monumento a Clint. Onde? Novo mistério: no Brasil.

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