São Paulo, sexta-feira, 20 de janeiro de 1995
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Perto de Deus, longe da Califórnia

JOSÉ SARNEY

Considero um grande equívoco ficar negando que o vendaval do México em nada afeta o Brasil. Essa afirmação é no mínimo insensata, para não dizer insincera ou burra.
Numa economia globalizada, tudo que acontece, em qualquer parte, afeta o todo. Acrescente-se a realidade de que é difícil para os norte-americanos e europeus distinguir Brasil, Argentina, México, Venezuela. Para eles é tudo América Latina e só.
Gilberto Amado contou-me, e depois escreveu em suas "Memórias", que o que mais o irritava, na Conferência de S.Francisco de 1945, era ser tratado de latino-americano e nunca de brasileiro.
Mais sensato seria dizer, o que é verdade, é que somos menos vulneráveis que o México e a Argentina. Nossa dolarização foi à moda brasileira: o real mais forte que o dólar, para evitar a fuga para o verde.
Mesmo nos tempos piores da inflação, tínhamos sempre uma moeda que rendia mais que o dólar, e isso nos salvou. Basta lembrar a famosa ORTN, que existiu forte e mais cotada que a moeda norte-americana, e nunca ninguém viu a cara de uma ORTN.
O Brasil já rompeu o seu inferno institucional. Não temos Chiapas, onde considerável faixa de terra já está dominada pela guerrilha, nem o ambiente e instituições políticas que assassinaram Colossio. Nem como a Argentina, onde dólar e peso são do mesmo valor e onde um déficit considerado crônico obriga o país a depender, totalmente, do fluxo de capital estrangeiro.
México e Argentina já esgotaram o filé mignon das privatizações, aqui a força internacional ainda está na porta, pronta a participar de excepcionais investimentos. Não é hora de fugir, é hora de entrar.
Nossas reservas de 40 bilhões nos dão a confortável posição de dizer que temos água para apagar fogo. Fogo brando, é claro, mas não incêndio de gasolina ou paiol de pólvora.
Melhor é dizermos que temos de ficar prevenidos, fazer o que tem que ser feito e não assumir a posição olímpica que tivemos, quando do choque do petróleo, em que me lembro das declarações enfáticas e tranquilizadoras da área econômica: "Isso não afeta o Brasil. Estamos crescendo 10% ao ano e a inflação está baixa". Eu que já tive as barbas pegando fogo, posso dizer que é prudente colocá-las de molho.
A realidade mesmo é que o México nos ensina que é fácil, ou pelo menos exequível, resolver a conjuntura. Mas a estrutura, quando permanece caótica, volta a destruir a conjuntura.
O México confiou demais na performance da travessia. Afinal, ele é o único país do continente que participa da aventura mundial de liderança dos EUA através de dois problemas: a fronteira e a imigração (os "chicanos"). Por isso mesmo Clinton, os líderes republicanos e os administradores mexicanos vararam a noite na Casa Branca e saíram com a decisão: fiquem tranquilos, pagaremos tudo, 40 bilhões, de saída. E os jornais publicam: o México passou a ser o 51º Estado dos Estados Unidos.
O Brasil, a Argentina poderão ser o 52º e 53º? Quem conhece o México sabe que jamais isso acontecerá. Ressuscitariam Zapata, Obregón, Carranza e o grande povo mexicano. Brasil e Argentina, jamais. Estão longe dos EUA e mais perto de Deus, para glosar a velha frase de Cárdenas.

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