São Paulo, sábado, 21 de janeiro de 1995
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Festival termina sem premiados indianos; Mulheres; Tributos

LÚCIA NAGIB
ENVIADA ESPECIAL A BOMBAIM

Festival termina sem premiados indianos
Crítica local recusa-se a agraciar filmes da mostra 'Panorama Indiano' por não encontrar bons concorrentes
O balanço final do Festival Internacional de Cinema da Índia dá um resultado pouco favorável para o cinema indiano. A crítica local escolheu "Corvos", filme polonês dirigido por Dorota Kedzierzawska, como o melhor da mostra "Cinema do Mundo". Mas recusou-se a agraciar qualquer dos 31 filmes de ficção e documentários da mostra "Panorama Indiano", por não ter encontrado aquele que o merecesse.
Esse comportamento drástico da crítica não é acompanhado, porém, de uma reflexão abrangente. Há toda uma gritaria em torno do perigo representado pela entrada de Hollywood no mercado indiano, com a recente liberalização econômica da Índia. Mas pouco se fala das contradições locais.
Já para o observador estrangeiro fica logo evidente que o cerceamento da livre expressão está na raiz da falta de vivacidade no cinema do país que é o maior produtor de filmes do mundo. A censura, moral e política, prevalece no cinema comercial em geral, mas é ainda mais nefasta no cinema independente e dito "de arte".
Suas consequências vão além da folclórica proibição do beijo (ato que agora começa a se insinuar nas telas, desde que os lábios se mantenham hermeticamente fechados). Neste momento, por exemplo, a censura está tentando impedir o filme "A Rainha Bandida" –elegia a uma famosa criminosa da Índia–, já banido dos cinemas locais, de concorrer ao Oscar de melhor filme em língua estrangeira.
É compreensível, portanto, que o cinema independente, principal contingente exibido em festivais, permaneça, por precaução, submisso às entidades governamentais regionais que o financiam. Mas com isso se torna, contraditoriamente, dependente.
Não se viu uma discussão consistente dessa questão nos seminários do festival. E na imprensa de Bombaim foi possível ler, por exemplo, que "os filmes estrangeiros dão uma estranha ênfase ao sexo", demonstrando que a maior parte dos problemas sociais desses países estaria "relacionada com sexo". O cinema indiano exibido no festival, ao contrário, "mostra que não possui essa obsessão e que sabe fazer filmes bons e limpos"...
As filas diante dos filmes estrangeiros, enquanto muitos indianos estavam às moscas, sugerem, no entanto, que o público está farto dessa "limpeza". Um certo alvoroço só foi causado pelo episódio indiano de Mani Kaul, no filme-ônibus "Contos Eróticos", porque mostrava por breves instantes, em imagens enevoadas, os seios nus da atriz principal.
Vários filmes da mostra "Panorama Indiano", como "Havia uma Garota Chamada Goonja" (de Bappa Ray) e "O Casamento" (de Hariharan), tratam da opressão da mulher nas aldeias, mas sem propor qualquer atitude rebelde e sem sombra da contundência adotada, por exemplo, pela escritora Taslima Nasreen, do vizinho Paquistão, atualmente refugiada na Europa.
Mulheres
Nesse sentido, a seção indiana da mostra "Mulheres-Diretoras da Ásia" foi sem dúvida um passo adiante. A distinção lhes cabe não por serem mulheres ou por introduzirem a propalada "sensibilidade feminina" (como chegou-se a dizer nos seminários), mas porque trabalham com maior realismo o patrimônio cultural indiano, frequentemente tomado sob um ponto de vista nostálgico e conservador no cinema masculino.
Pioneira nesse sentido, Mira Nair, diretora indo-americana tornada internacionalmente conhecida com "Mississipi Masala" (1991), teve seu "Salaam Bombay", de 1988, projetado na mostra. O filme brilhou como uma estrela solitária, permanecendo o único a expor os horrores da Índia urbana, com seus milhares de crianças de rua vivendo da droga e da prostituição.
Também a mulher urbana, que recusa um casamento seguro para poder prosseguir seus estudos no exterior, mereceu um retrato arguto e divertido no filme "Papeeha", de Sai Pananjpye, que coloca em pé de igualdade as reivindicações feministas e as de proteção do meio ambiente.
Tributos
Dentre as homenagens feitas ao longo do festival (a Fellini, Amos Gitai, Elvis Presley e outras), merece destaque o "Tributo a Miguel Littin", diretor chileno que esteve presente no festival acompanhando três de seus longas-metragens (inicialmente, deveriam ser cinco). Littin conta com uma legião surpreendente de aficionados na Índia, que conhece seus filmes de cor e comparece novamente em bloco para revê-los.

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