São Paulo, quarta-feira, 25 de janeiro de 1995
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"Noviças" mistura Broadway com Bahia

NELSON DE SÁ
ENVIADO ESPECIAL A SALVADOR

A busca de uma nova forma para o musical no Brasil deu muitos passos à frente, este final de semana, em Salvador, com a estréia de "Noviças Rebeldes". A Cia. Baiana de Patifaria, que esteve em São Paulo com a comédia besteirol "A Bofetada", três anos atrás, reuniu-se ao diretor Wolf Maya, de musicais americanizados como "Splish Splash" e "Blue Jeans", também apresentados em São Paulo em anos recentes, para criar um espetáculo que é inovador, em sentido diferente do que se costuma dar à expressão.
É a primeira reunião de fato entre dois caminhos diversos do teatro musical no país; um desbragadamente brasileiro, sarcástico, muito engraçado, mas também realizado sem rigor; o outro orgulhosamente bem realizado, na coreografia, na música, porém ainda uma cópia da Broadway, e pior, sem protagonistas para tal. Foram eles, os dois teatros, que se encontraram em "Noviças Rebeldes", na estréia de sexta-feira no teatro Acbeu, em Salvador –e devem chegar a São Paulo em setembro, na programação da companhia.
O original, "Nunsense", de Dan Goggin, é um musical à americana, mas mal se percebe. Fora uma ou outra canção, as referências são todas ao Brasil, ou cabem perfeitamente. O roteiro, vago, apenas uma base para as músicas e para o humor, fala das cinco freiras que restaram de um convento onde morreram 52 delas, de botulismo, por conta de uma canja "com legumes enlatados". Depois de enterrar 48, não houve dinheiro para as outras quatro e as sobreviventes resolvem montar um musical para conseguir mais recursos.
Um musical que, com um enredo assim, acaba tendo muito mais de uma revista do momento, com números tratando do Brasil de hoje, da política à religião, do que das tramas rocambolescas da Broadway. Wolf Maya, um diretor que foi treinado na Broadway, onde participou de espetáculos de grandes proporções, reconheceu logo a nova situação e entrou na brincadeira. "Noviças Rebeldes" tem tantas e tais referências, algumas de teor tão localizado, que por vezes é difícil entender do que está rindo a platéia baiana.
Um exemplo é a citação da empresária que transformou o teatro Maria Bethânia, de Salvador, em bingo. Outros exemplos, mais fáceis, são piadas relativas ao senador Antônio Carlos Magalhães, mencionado no título de um livro de receitas –aliás, como o livro de Jorge Amado–, e ao arcebispo de Salvador, d. Lucas Moreira Neves, citado como remetente de uma carta. "É do Lucas, o primaz", diz a madre superiora, aos pulinhos. E tem muito mais, relativo à Bahia e ao Brasil, à televisão e ao presidente da República.
É o humor típico da Cia. Baiana de Patifaria, também presente nas brincadeiras com o público e no bordão. Em "A Bofetada", o bordão surgia com Fanta, a personagem de Lelo Filho, dizendo repetidamente, "é a minha cara". Em "Noviças Rebeldes", ao que parece, vai ser a frase que ocorre toda vez que é mencionada a "irmã Júlia", a cozinheira que matou as freiras. A companhia toda e, em pouco tempo, a platéia acompanham dizendo, piedosamente, em coro, "ovelha de Deus".
A religião, tratada então com tamanha ironia, aparece em outros momentos de forma sinceramente piedosa, como é próprio deste fim de milênio –mas que não deixa de causar estranhamento, em "Noviças Rebeldes", já que as cinco freiras são interpretadas por atores travestidos. É assim que a "irmã Maria José" –o hilariante Wilson de Santos–, depois de alguns números próximos à grosseria, faz um elogio emocionado à fé católica, em que diz, por exemplo, que "Deus detém todo o poder", sobre um coro que canta "Hosanna, Hosanna in Excelsis".
É a canção "Virando Católica", uma das mais aplaudidas. O sincretismo de "Noviças Rebeldes", por assim dizer, se completa na cenografia. Imagens da Virgem Maria e de São José, com Jesus ao colo, dividem o palco com as imagens de Marilyn Monroe e James Dean. Um pouco como a reunião da Cia. Baiana de Patifaria com Wolf Maya, num sincretismo teatral que aponta a direção a ser seguida pelo musical no Brasil.

O articulista JOSÉ SIMÃO está em férias até a segunda semana de fevereiro

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