São Paulo, quinta-feira, 26 de janeiro de 1995
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Firmas em competição e política industrial

JOÃO CARLOS FERRAZ ; DAVID KUPFER

JOÃO CARLOS FERRAZ
DAVID KUPFER
É extemporânea a discussão se deve existir uma política industrial ou se o governo deve se limitar ao binômio equidade social-ordenação macroeconômica. As ações sobre esse último têm implicações sobre a posição competitiva e o ritmo de crescimento das empresas, ao mesmo tempo em que o desenvolvimento da indústria pode favorecer a estabilização e reduzir as desigualdades. Por isso é que no plano internacional, ainda que não se declare, praticam-se ativamente políticas industriais.
Na OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), por exemplo, foram alocados US$ 260 bilhões a 739 programas de apoio à indústria, somente no período 1986/89, algo como 3% do valor adicionado pela indústria nesses países. Pragmaticamente falando, portanto, o relevante é discutir que tipo de política industrial: para que problemas ela pode e deve estar focalizada e quais os instrumentos e capacitações necessárias.
A capacidade de as firmas competirem nos mercados pode ser fortalecida se o regime de incentivos e regulação a que estão sujeitas for eficaz. Os incentivos visam aumentar a capacidade de resposta das empresas diante dos desafios impostos pela economia e as regulações buscam condicionar as suas condutas em direções socialmente desejáveis.
Atualmente, basear a política industrial brasileira em índices de nacionalização, como no passado, é absurdo. Por detrás dos índices de nacionalização estava um regime que buscava, de forma centralizada, diminuir o custo de capital para montagem de capacidade em determinados setores, do lado dos incentivos, e garantir demanda por restrições à contestabilidade nos mercados, do lado da regulação.
A política industrial hoje deve ser outra e focalizar um "índice de vantagens competitivas". Por trás deste índice deve estar um regime de incentivos que diminua os custos das empresas que estão evoluindo para se tornarem mais competitivas e um regime de regulação que puna os desvios de conduta, expressos em abusos de poder econômico, práticas lesivas ao consumidor e ao meio ambiente, dumping, informalização, entre outros. Mas premiar ou punir quem?
Empresa competitiva é aquela que implementa estratégias, detém capacitações e alcança desempenhos coerentes com os fatores críticos de sucesso em seu mercado. As empresas que antecipam e se adaptam a esses fatores terão maior lucratividade e, portanto, mais recursos para crescer. Os fatores críticos podem estar localizados no âmbito da empresa, na estrutura industrial ou no sistema econômico. A possibilidade de êxito da intervenção da empresa é decrescente quanto mais "externo" for o fator crítico; a do Estado segue na direção oposta.
Esse conjunto de fatores críticos molda um padrão de concorrência que é específico de cada mercado e de cada momento do tempo. Tomadores de decisão públicos e privados devem então entender quais fatores, devidamente incentivados ou controlados, resultarão em maior capacidade de resposta aos desafios competitivos. Um exemplo é dado pelas necessidades de crédito.
Para os produtores de commodities, como os investimentos são de longa maturação, as margens de lucro são baixas e o desafio é agregar valor aos produtos, há necessidade de financiamento de longo prazo para viabilizar projetos de expansão e modernização. A conexão com um banco como o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e com mercados financeiros internacionais é essencial.
Para empresas de bens duráveis, que necessitam diferenciar produtos porém ampliando escalas de produção, é fundamental o crédito para seus clientes. As empresas têm menor necessidade de capital de terceiros porque apresentam elevada capacidade de acumulação interna e, na maioria das vezes, são associadas patrimonialmente a grandes grupos internacionais. Como seus investimentos são fortemente atrativos para as regiões receptoras, há disputa –via incentivos fiscais– pela decisões locacionais dessas empresas.
Produtores de bens difusores de progresso técnico são sensíveis às condições do crédito ao investimento na economia e também à disponibilidade de financiamento ao risco tecnológico. Nesses setores, inovação é essencial à competitividade e há uma alta dose de incerteza em seu desenvolvimento.
O desafio para as empresas é alcançar maior especialização em linhas de produto viáveis, rompendo com as práticas de cópia sem aprendizado que imperaram no passado. Instrumentos específicos de crédito são requeridos para propiciar condições de sobrevivência e crescimento às empresas interessadas em assumir os riscos inerentes à concorrência pela inovação.
Finalmente, para os setores de bens tradicionais, que apresentam prazos menores de maturação de investimentos, presença importante de pequenas e médias empresas e a urgência de elevar níveis de capacitação e eficiência produtiva, há necessidade de uma gama de linhas de financiamentos de médio prazo, desenhadas para permitir a atualização de produtos, processos e métodos de gestão.
Surgem então as seguintes perguntas: o regime de incentivos do país está organizado para enfrentar essa variedade de demandas? As instituições financeiras estão tecnicamente preparadas para engenharias financeiras cada vez mais complexas? Indústria e bancos privados estão estreitando seus vínculos de modo que, no futuro, o setor público deixe de ser a única fonte relevante de crédito de longo prazo no Brasil?
O exemplo acima demonstra como qualquer ação pró-competitividade requer a identificação de fatores críticos de sucesso associada à análise da trajetória de evolução recente e as expectativas futuras, o que indicará o estágio de evolução das empresas. Assim podem ser identificadas as ameaças e oportunidades de forma hierarquizada, o que permite a definição de propostas de ação pública e privada para superação de deficiências e fortalecimento das vantagens observadas, sempre dimensionando o tamanho dos esforços públicos e privados necessários.
Em resumo, agentes públicos e privados deveriam negociar a partir de um consenso básico; em que estágio de evolução está a capacidade competitiva de setores e grupos de empresas que tenham desafios semelhantes? A resposta indicará a natureza do regime de incentivos e regulação focalizado na concorrência com chances de se mostrar eficaz em desenvolver a indústria e, simultaneamente, promover a ordenação macroeconômica e equidade social.

JOÃO CARLOS FERRAZ, 41, é professor da Faculdade de Economia e Administração e do Instituto de Economia Industrial da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).

DAVID KUPFER, 38, é professor do Instituto de Economia Industrial da UFRJ.

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