São Paulo, sábado, 28 de janeiro de 1995
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Schwab reconta os mitos em tom coloquial

DANIEL PIZA
DA REPORTAGEM LOCAL

A antiguidade clássica é uma prateleira à qual a civilização tem de voltar de tempos em tempos. Quem se aventurar a ler "As Mais Belas Histórias da Antiguidade Clássica", de Gustav Schwab, cujo primeiro volume a editora Paz & Terra acaba de publicar, precisa ter isso em mente.
Aventurar-se é o verbo certo. Os relatos míticos greco-romanos, na pena ágil de Schwab (1792-1850), escritor alemão que os produziu entre 1838 e 1840, ganham delicioso sabor de peripécias.
O segredo da agilidade do livro, e de seu sucesso (foi por muito tempo o manual de mitologia das escolas germânicas), está na oralidade. Como mostraram mitólogos do porte de Ernst Cassirer e Mircea Eliade, a narrativa mítica tem fonte oral. O texto de Schwab consegue um ritmo eloquente que poucos outros conseguem.
Por esse motivo, duas decisões da Paz & Terra –afora a de publicar o livro aqui– precisam ser aplaudidas: primeiro, a de entregar a tradução a Luís Krausz, que deu ao texto fluência impecável; segundo, a de modernizar o original, tanto em sintaxe (articulação das frases) como em semântica (registro das palavras), ajustando-o ao coloquialismo contemporâneo.
Em comparação com outras obras sobre mitologia, a de Schwab pode deixar a dever em informação para dicionários como o de Pierre Grimal (editado em português pela Vozes) ou em qualidade de generalização para relatos como o de Thomas Bulfinch (esgotado no país).
Mas tem essa leveza narrativa que nem mesmo o poeta e ensaísta inglês Robert Graves, em livro para o público infanto-juvenil (publicado no Brasil pela Mercuryo com o título "Deuses e Heróis do Olimpo"), soube confeccionar.
Outra vantagem do livro de Schwab sobre obras de divulgação (como é a sua) é que ele parte de clássicos de Homero, Ovídio e Virgílio para recontar as histórias.
Além disso, considera as variadas versões de cada uma delas.
Como editor, prosador, tradutor e poeta da geração tardo-romântica alemã, Schwab acreditava na "sublimidade" dessas histórias, isto é, que elas espelhassem características naturais e, portanto, imutáveis do ser humano, em qualquer época, condição e lugar.
Daí, pois, seu esforço de simplicidade. E daí, também, comentários como o que faz depois de relatar a história de Deucalião e Pirra, únicos sobreviventes de uma enchente e pais da espécie humana: "E ainda hoje a humanidade não nega essa sua origem. É uma espécie dura, que se presta ao trabalho. E a cada instante nos lembra de onde surgiu".
Essa interpretação dos mitos clássicos tem eco mesmo em mitólogos modernos como Joseph Campbell, para quem, igualmente, a humanidade nasce da tragédia, por graça dos deuses, a custo de trabalho e contra a solidão. Donde, o que nos cabe é ser solidários e respeitar sempre nossa intuição.
Mesmo quem não concorda, e prefere lembrar a profunda maldade dos deuses olímpicos contra qualquer ousadia da espécie humana, vai se sentir persuadido por Schwab. A sucessão de histórias nos dá a impressão de "déjà vu à la vie", de que vemos esses filmes durante toda a nossa existência.
Juno, por exemplo, parece Glenn Close em "Atração Fatal". É ciumenta e sua fúria pode não ter limites. Zeus, seu marido, age por sua vez como um dos "crioulos do Grapete" de Nelson Rodrigues: não foge a tentação feminil alguma, mas faz tudo dissimulado, para evitar a histeria de Juno.
Outros exemplos da realidade dos mitos são profusos nos três volumes de Schwab.
Esse primeiro volume é sobre "metamorfoses e mitos menores". Conta histórias de, entre outros, Faetonte, Cadmo, Ícaro, Tântalo, Actéon, Sísifo, Orfeu, argonautas (Jasão, Medéia), Héracles, Teseu e Édipo (leia abaixo texto sobre grafia dos nomes gregos).
Partindo de um personagem, conta também as histórias de vários outros com quem ele contracenou. Assim, no caso de Édipo, além de sua história com a mãe Jocasta e o pai Laio, são narradas suas vivências com Antígona, Colona, Teseu, Creonte e Polinices.
Para ter um aperitivo, um bom exemplo da técnica narrativa de Schwab está no capítulo sobre Tântalo. Filho de Zeus, comia à mesa dos deuses, ouvindo suas confidências; vaidoso, revelou esses segredos aos mortais e cometeu atrocidades por exibicionismo.
Foi condenado da seguinte forma: "Preso no meio de um lago, as ondas lambiam-lhe o queixo, mas ele sofria de uma sede insuportável e nunca podia alcançar a bebida que lhe estava tão próxima. (...) Ao mesmo tempo, era atormentado por uma fome terrível. (...) A esses sofrimentos infernais juntava-se o constante temor da morte, pois um gigantesco rochedo pendia no ar sobre sua cabeça, ameaçando cair em cima dele a qualquer instante."
Conclui Schwab: "E assim Tântalo pagou pelo seu desrespeito aos deuses, padecendo nos Ínferos uma tortura tríplice e sem fim."
Quem não sente curiosidade por essas histórias, tão bem contadas, não sente curiosidade pela vida.

Livro: As Mais Belas Histórias da Antiguidade Clássica (vol. 1)
Autor: Gustav Schwab
Quanto: R$ 20

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