São Paulo, sábado, 28 de janeiro de 1995
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Sempre existe um "mas"

JOÃO SAYAD

O aumento do salário mínimo aumenta as despesas com aposentadorias e outros benefícios da Previdência e os déficits públicos federal, estadual e municipal. De forma indireta, aumenta todos os salários e pressiona os preços. Em especial, diminui a rentabilidade das exportações e o superávit comercial.
Tenho certeza de que o autor do artigo que diz "'sim" será capaz de demonstrar muito bem e até dramaticamente os problemas que o aumento do salário mínimo trará para o Plano Real.
A questão do salário mínimo é tão antiga quanto a da inflação, desde os anos 50, com o presidente Getúlio Vargas. Depois, passa pela Argentina, quando Perón obtém com o aumento do salário mínimo uma popularidade que dura até os dias de hoje. E retorna ao Brasil, no famoso comício da Central, quando João Goulart anuncia um grande aumento do salário mínimo e é deposto por um golpe militar em seguida.
A distribuição de renda e o salário mínimo são os atores principais do drama inflacionário, muito mais importantes do que o famigerado déficit público, ator veterano, mas em papel secundário; e mais importante do que os oligopólios, atores convidados recentemente pela retórica de Collor e sua equipe.
Mas –sempre temos um "mas"– se o aumento do salário mínimo atrapalha o Plano Real, o que é que não o atrapalha? Qualquer mudança de preços importantes atrapalha qualquer plano de estabilização. Abaixar os juros, o que agradaria aos empresários, aumenta a demanda e atrapalha o plano. Corrigir o câmbio para melhorar o superávit comercial atrapalha muito o plano. Mas os trabalhadores perguntariam: e quando é que se poderá aumentar o salário mínimo? Depois de que reforma ou sob que condição? Entre 64 e 84, dizia-se que primeiro o bolo tem de crescer, depois ser repartido. Parece que nunca pode.
O que incomoda mesmo no Brasil é a unanimidade conservadora. As idéias que brotam aqui, na realidade, não brotam: renascem como velhas bananeiras, que depois de muitos e muitos cortes dão sempre as mesmas bananas. Agora, os editoriais da imprensa chegaram à mesma unanimidade de sempre: o governo tem de vetar o aumento do mínimo, a anistia ao senador Lucena e o aumento dos salários do Executivo.
Há 50 anos a imprensa fala a mesma coisa. E os intelectuais não conseguem liderar a discussão. As idéias hegemônicas são produzidas pelos editoriais. A universidade e os intelectuais vem a reboque: os humanistas estão confinados às seções de literatura e artes plásticas.
E os outros, particularmente os economistas, ganham apoio e sucesso profissional repetindo e apoiando a mesma opinião cinquentona. Nada é mais rentável do que ser conservador.
A inflação é resultado de uma distribuição de renda cruel. Salários muito baixos é que causam inflação. E quando vai ser possível aumentar os salários? Minha solidariedade ao autor do artigo desta página que responde "sim" à pergunta: entendo perfeitamente os seus argumentos e tenho empatia pelas dificuldades que enfrentaremos.
Meus agradecimentos ao autor do artigo que responde "não". Por que precisamos muito de uma voz que defenda medidas que melhorem a distribuição de renda. Obrigado.

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