São Paulo, domingo, 29 de janeiro de 1995
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Cuia ou comadre

RICARDO SEMLER

Envelhecer pode ser uma nobre transição ou uma perda de dignidade. O Ermírio, que vai indo bem neste quesito, referiu-se ao Olacyr com um Deus me livre de cair no ridículo depois de velho.
Nestes últimos dias o embate entre as duas categorias atingiu um curioso ápice. Mick Jagger despejou sinais de longevidade. Mérito ainda maior porque mantém uma banda que não prima por quantidade de sucessos nem mérito instrumental, mas sim pelo hábil marketing de simbolizar uma era e uma atitude. Isto é longevidade merecida.
No mesmo dia estampa-se artigo-súplica de Jorge Amado em favor de uma irmandade. Não se questiona o mérito –aliás, todos nós podemos listar dezenas de projetos e associações que precisam, desesperadamente, de recursos.
Amado, a cada ano que passa, apaga mais indelevelmente seu valor como personalidade folclórica e seu passado de puro comunista. Parece voltar a seu sumido livro de exaltação maravilhada de Stálin, prova de que bom senso nunca foi seu forte. Passa os dias sendo adulado como o grande escritor do Brasil, uma bobagem. Foi, até os anos 60, um bom escritor regional, repetitivo mas competente. Descreveu com amor e intensidade a miscigenação, religião e cultura da Bahia, com seus parcos personagens –a moreninha gostosa, a onipresente mulata, o turco do bar, o coronel, o bobão, e fim.
Mas foi divertido, tá ótimo. Iludiu-se ao crer nos bajuladores que diziam ser ele merecedor de um Nobel. Lutou, foi indicado muitas vezes ao prêmio pelo clubinho da jocosa Academia, fazendo de conta que não queria. Disse Pablo Neruda: "A verdade é que todo escritor deste planeta... quer o Prêmio Nobel, inclusive os que não o dizem e também os que o negam". Os experts em literatura analisaram por várias vezes e parecem ter concluído: Amado é um simpático folclorista –mas Nobel, só por piedade.
Seu artigo, porém, é um acinte. Posando de pobre quando é ricaço, exige contribuições em público. Como se dirige ao ministro e a uns poucos, algumas cartas pessoais seriam suficientes, não fosse o maroto objetivo de coagi-los perante larga platéia, aparecendo como protetor dos pobres e oprimidos.
Cita nominalmente os que quer ver rubros, mas não dá sequer o nome– fala em "um ex-prefeito" –quando se refere ao único benfeitor nacional que efetivamente contribuiu– estranho, não? Depois, segue no que virou uma rotina sua e de Zélia Gattai: lamber as botas de ACM, Roberto Marinho e até da Odebrecht ("a boa empreiteira"!!). Tomaram estes o lugar de Stálin em sua idolatria. Se diz fã do ficcionista Sarney (!), e afaga a todos com uma mão enquanto faz exigências quase extorsivas com a outra. Que dão resultado –Weffort assustou-se de cara e já ligou.
Um apelo manipulativo e maquiavélico, fruto de sua convivência íntima com todos os que passou a lisonjear servilmente, depois de velho. Um chamamento desnecessário, já que para uma pequena quantia como esta, caso não quisesse tirá-la de seu gordo porquinho de moedas de royalties mundiais, bastava um telefonema –todos o atenderiam.
Uma cena deprimente, um espetáculo de falsa piedade e auto-promoção. Mais um velhinho que cai no ridículo. Aí, é o caso de passar a comadre, não a cuia, de esmoler. Que me desculpem as irmãs, que apenas foram usadas e que merecem a ajuda, e votos de que o dinheiro apareça por aí.

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