São Paulo, domingo, 29 de janeiro de 1995
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Justiça do Trabalho preocupa Grã-Bretanha

PAUL ROUTLEDGE STEPHEN WARD

PAUL ROUTLEDGE; STEPHEN WARD
DO "INDEPENDENT"

Antes eram os casos de divórcio que forneciam a dieta básica de escândalos. Depois descobriu-se que as pessoas podiam ter mau comportamento também no trabalho.
Praticamente da noite para o dia, os tribunais industriais –primos-pobres do sistema judiciário– se converteram no novo teatro das políticas sociais e sexuais.
Em novembro foi a vez da corretora Samantha Phillips, que ganhou 18 mil libras (cerca de R$ 13,3 mil) e foi taxada de idiota.
No mesmo dia, Monika Kocanek, professora de educação religiosa da Igreja Católica Romana, foi quem ganhou as manchetes dos jornais –"Igreja manda amante grávida do padre se demitir."
Algumas semanas antes, Stephen Davies, funcionário público do Departamento de Apoio à Criança, tentou se apresentar como uma vítima da luxúria feminina. A audiência que julgou o seu caso terminou em gargalhadas.
Mais foi no ano passado que as sirenes de alarme começaram a soar na Grã Bretanha. O governo, na época, se viu obrigado pela Corte de Justiça Européia a abolir o limite de 11 mil libras (cerca de R$ 8.107) para as multas de discriminação sexual e racial.
Foi o suficiente para que se desencadeasse uma enxurrada de processos por demissão injusta e por discriminação sexual.
A primeira vitória foi de uma militar, dispensada quando engravidou. Recebeu 17 mil libras (cerca de R$ 12,5 mil). Rapidamente as indenizações tomaram vulto e chegaram ao limite de 180 mil libras (cerca de R$ 132,6 mil).
Os tribunais industriais se tornaram importantes. Julgam algumas das mais espinhosas e controversas questões da vida cotidiana.
Apontam também a direção da evolução social e trazem justiça ou desapontamento para algumas pessoas que se tornam subitamente heróis ou vilões populares.
Até que ponto um chefe pode xingar seu subordinado? Quais são os limites do racismo, seja ele expresso em palavras ou atos no trabalho? Um código de condutas aceitáveis começa a tomar forma.
A imprensa trouxe a público casos curiosos. Primeiro foi o motorista de uma empresa de entregas, despedido por usar a palavra "bastardo" diante dos clientes.
Ganhou o processo com o argumento de que não havia nada de errado em usar "a mesma palavra que o primeiro-ministro sussurrou, referindo-se a seus colegas".
O mais conhecido, sem dúvida, foi o de Ulsterman Trevor McAuley, que recebeu 6.000 libras (cerca de R$ 4.422). Ele foi vítima de "persistentes e constantes" zombarias sobre irlandenses feitas pelos seus colegas de trabalho.
A Comissão pela Igualdade Racial, que apoiou o mecânico em sua luta para provar a discriminação racial, disse que o caso era um marco. Enviou aos trabalhadores a mensagem de que era inaceitável permitir tal comportamento dentro dos locais de trabalho.
As decisões desses tribunais não estão firmando precedentes legais. Tampouco estão estabelecendo o que é comportamento criminoso. Mas estão influenciando –e muito– o comportamento da maioria das pessoas no trabalho.
Os tribunais têm a força do exemplo e a sanção da demissão justa para aqueles que insistem em ignorá-los. Quem achou o caso McAuley engraçado talvez pense agora pelo menos duas vezes antes de pronunciar "irlandês grosseiro" dentro da fábrica.
Essas decisões são uma questão de correção política ou talvez até uma forma aterrorizante de controle social institucionalizado? Ou são a mera ponta mais sensacionalista do grande, dispendioso e vagaroso iceberg em que se transformou a Justiça do Trabalho?
Os números sugerem que a última possibilidade é a correta. Houve uma explosão de petições judiciais desde 89/90, quando 34.697 homens e mulheres decidiram processar seus empregadores. Em 93, foram 71.661 e em 94 estimava-se que chegariam a 81 mil.
O preço da Justiça do Trabalho subiu para 27 milhões de libras (cerca de R$ 19,9 milhões) em um ano. Propostas de reforma acabam de fazer uma aterrissagem de emergência no gabinete do ministro do Trabalho da Grã-Bretanha.
É praticamente certo que o ministro Michael Portillo tome providências para garantir que um número menor de casos chegue às audiências e termine, consequentemente, em indenizações.
E não que os tribunais sejam uma máquina de dar prêmios. Em 93, apenas 26 mil das 71.661 petições terminaram em audiências. O restante foi retirado ou resolvido pelo Serviço de Conciliação.
A maioria dos casos tem relação com demissões injustas. Somente um terço dos casos é decidido judicialmente. E, desses, apenas 14% terminam vitoriosos.
Em cerca da metade dos casos vitoriosos é concedida uma indenização. Em 93, a quantia média foi de 2.773 libras (cerca de R$ 2.044).
Somente 0,2% dos 42.757 peticionários conseguiram seus trabalhos de volta. Mais precisamente, um em cada 500, o que dificilmente pode ser considerado um lucro fácil para os descontentes.

Tradução de Glagys Wiezel

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