São Paulo, domingo, 29 de janeiro de 1995
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SOBRE A MORTE DE JÚKOV

Eu vejo netos, fila a fila, atentos,
a carreta, o cavalo e um ataúde.
O vento que me chega não alude
aos sopros russos a tocar lamentos.
Condecorado jaz quem fora forte:
o grande Júkov parte para a morte.

Guerreiro que arrasou muros malgrado
uma espada pior que a do oponente,
que, ao manobrar com brilho inigualado,
foi o Aníbal do Volga –e surdamente
findou seus dias como Belisário
ou Pompeu, em desgraça e sem amparo.

Derramar tanto sangue de soldado
no estrangeiro o deixara contrafeito?
Lembrou-se deles ao morrer num leito
branco e civil? Quem sabe está calado.
Que lhes dirá quando, no inferno agora,
encontrá-los? "Lutei pela vitória."

Júkov não há de erguer mais, pelejando
por uma causa justa, a mão direita.
Repousa! A história russa não rejeita
uma página àqueles que, em comando,
marchavam bravos sobre solo alheio,
mas voltavam ao próprio com receio.

O Letes –Marechal!– há de sedento
tragar estas palavras e os teus restos.
Recebe-as, pois tributos são modestos
a quem salvou a pátria –isto eu sustento.
Rufa, tambor, ressoa sem demora,
flauta marcial, que nem ave canora.

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