São Paulo, domingo, 29 de janeiro de 1995
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Pintura na corte

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES

Poucas coisas na imprensa do Brasil são mais provincianas do que a relação que nossos jornais e revistas estabelecem com aquilo que os brasileiros chamam de "lá fora" –ou seja, o mundo. A caipirice eclode de diversas formas, num movimento pendular que vai do deslumbramento à depressão.
O deslumbramento consiste na adoção, por parte do jornalista, de uma atitude saltitante de frisson, frescor e êxtase diante da descoberta de uma última moda que, inapelavelmente, é "o sucesso" de além-mar. No caso, a plebe rude, por suposto ignorante e cafona, é convidada a se sintonizar e a se atualizar à luz inesgotável das novidades do Primeiro Mundo-Maravilha. A variante ufanista dessa atitude informa que o Brasil, através de artistas ou pessoas que se destacam em suas atividades, está sempre "estourando" no exterior.
Em oposição ao deslumbramento, a atitude depressiva consiste na constatação de que a imagem do país "lá fora" é eternamente maltratada, atrapalhando o turismo e os investimentos. Em versão mais radical, já indiferente a eventuais prejuízos nos intercâmbios, reitera-se ao infinito que o país simplesmente "não existe" no Primeiro Mundo-Maravilha.
Mas há ainda uma outra –não menos bocó– maneira de se enfocar as relações do Brasil com o "lá fora": nesta, o tom professoral junta-se a uma ponta de inveja e desinformação para avisar que aquilo que os tapuias pensam ser "um sucesso" é, na verdade, um fiasco.
Nas últimas semanas, um pouco de cada uma dessas posições surgiu em torno do noticiário sobre a exposição coletiva de brasileiros em Nova York. Com justo destaque nos jornais –são artistas de qualidade que ocupam algumas das melhores galerias da cidade– a mostra, inicialmente tida como "um sucesso", logo recebeu pitos professorais.
Em meio a "teorizações" e juízos de cursinho sobre o cinema dos anos 60 e a capacidade dos artistas brasileiros em pintar e esculpir, houve quem tentasse minimizar o evento, citando até uma a prova cabal do fiasco: a mostra teria sido ignorada pelo "The New York Times". Oooooooh!!! Então não presta mesmo.
Acontece que saiu no "The New York Times" –e, aliás, não foi mais do que obrigação do prestigioso diário. Saiu e sairá também em outras publicações, algumas até mais importantes para o meio artístico –casos do "Village Voice" e "ArtForum".
Mas no lugar dessa discussão de índio aculturado sobre se foi "sucesso" ou não na "corte", ou se brasileiros sabem ou não pintar (!), não seria mais proveitoso e simples saber por que, afinal, alguns dos mais fortes galeristas de Nova York estão interessados em mostrar artistas brasileiros no Primeiro Mundo-Maravilha?

Ilustração: Instalação que integra a exposição "Desordens", de Tunga

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