São Paulo, terça-feira, 31 de janeiro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O clube dos importadores de grãos

ROBERTO RODRIGUES

O Brasil precisa aderir ao "marxismo": refiro-me à linha de pensamento do comediante americano Groucho Marx.
Ele tinha por hábito responder com sonora recusa a qualquer proposta de pertencer a um clube que o aceitasse como sócio.
O exemplo do genial humorista poderia muito bem ser seguido pelo país sempre que se tratasse de ampliar sua participação no clube dos importadores de alimentos.
Só os principais exportadores de grãos e cereais como milho, trigo, arroz e cevada têm bons motivos para comemorar a inclusão do país no grupo dos grandes compradores mundiais.
Quando uma economia do porte da nossa entra no mercado, as cotações reagem com vigor.
Ano passado, o Brasil gastou cerca de US$ 1,6 bilhão de reservas na compra de grãos e cereais.
Se forem incluídos os dispêndios de divisas com produtos agroindustriais derivados, os valores alcançam US$ 2,5 bilhões.
Pode parecer pouco diante do mercado agrícola mundial, mas são recordes históricos –lamentáveis como tantos outros que vemos o Brasil superar.
E os números indicam também a consolidação de uma perigosa tendência: desde o final da década de 70, o país está elevando o patamar de suas importações de produtos agrícolas primários.
Estão ganhando importância as compras brasileiras de gêneros como milho e arroz.
Até 1984, o trigo foi responsável por cerca de 80% de nossas importações de grãos.
Apesar das compras externas terem crescido em volume, a participação atual do produto é de menos de 50% do total, enquanto as importações de arroz e milho já superaram o equivalente a 15% da produção doméstica.
Se continuar assim, em breve poderemos importar de novo o volume de arroz de 1986, igual a 9% da produção mundial.
As razões para o aumento das importações no período foram ou colapsos de oferta (ocasionados por frustrações de safras), ou choques de demanda –de que é exemplo o aumento de consumo durante o Plano Cruzado.
Mas quem carimbou mesmo a carteirinha do Brasil no clube dos importadores foi a crise do Estado.
O curioso é que as safras obtidas desde então, volumes em torno de 70 milhões de toneladas de grãos, são estáveis.
Apesar disso, desde 1990 as importações de grãos têm registrado crescimentos. A explicação para o fenômeno é que cerca de 7.500 brasileiros continuam nascendo diariamente.
Segundo o IBGE, a população do país cresce 1,89% ao ano.
A agricultura brasileira deveria estar atendendo a esse crescimento, mas em 1993 o Brasil comprou cerca de 5% da oferta mundial de trigo, volume que já foi inferior a 1% (entre 1985 e 1988).
E a tendência, segundo especialistas, é atingir um nível superior a 8% da oferta mundial.
A questão cambial ligada ao Plano Real é agora ainda mais estimulante para importar. E o Mercosul também.
Se confirmadas as previsões do governo federal, a próxima safra de grãos deverá chegar a 74 milhões de toneladas.
Será uma boa colheita, mas não garante nossa rota de fuga do clube dos importadores.
Com a estabilização da economia, poderá se romper o precário equilíbrio entre a produção agrícola e a demanda de alimentos da população –reprimida pela iníqua distribuição de renda.
Com o sucesso do plano não será impossível necessitarmos ampliar nossas compras de alimentos no mercado externo.
E sem tributação compensatória, sem salvaguardas e proteção ao nosso produtor eficiente.
Esse cenário é de um nonsense digno das melhores comédias dos Irmãos Marx.
O Brasil tem quase 200 milhões de hectares propícios à produção de alimentos. Cultiva atualmente menos de um terço desse total.
A diversidade climática do país permanece como vantagem inegável da produção agrícola brasileira, comparada às condições de que dispõem outros países.
Não há como, portanto, igualar o Brasil a importadores que não têm o mesmo clima favorável ou áreas disponíveis para a agricultura, casos do Japão, dos chamados tigres asiáticos, ou de alguns países do Oriente Médio.
Junto com a Rússia, essas nações respondem por 45% das importações mundiais de grãos.
É verdade, porém, que estamos exportando soja, açúcar, suco de laranja, carne, café e cacau.
Mas podemos fazer muito mais, com uma política agrícola adequada, gerando milhares de novos empregos, abastecendo a nossa população e distribuindo a renda.
E, naturalmente, só assim estará carimbado o passaporte do Brasil para o Primeiro Mundo.

Texto Anterior: TR em alta; Mais caro; Guerra; Isenção; Matando a sede; Bom desempenho; Consumo aquecido; Atraso; Explosão; Inseticidas lideram; Mercado forte; Desestímulo; Bons preços; Estatizando; Alerta; Entrega; Acúmulo de grãos
Próximo Texto: Pesque-pague compra todo peixe de São Paulo
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.