São Paulo, terça-feira, 31 de janeiro de 1995
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Nuvem de decepção

JANIO DE FREITAS
NUVEM DE DECEPÇÃO

O feito mais notável do mês inaugural do governo não estava nas previsões quase unânimes. Feito assim descrito por Otavio Frias Filho na quinta-feira e confirmado em pesquisas públicas ainda mais recentes: "Uma nuvem de decepção já encobre o novo governo". Um mês não proporcionou, necessariamente, a antevisão de um governo, mas, no caso atual, o que provoca a "nuvem de decepção" é uma peculiaridade que parece duradoura: Fernando Henrique era mais forte como ministro da Fazenda do que é como presidente.
Os flocos iniciais da nuvem formaram-se antes do governo. Apareceram durante a composição do ministério. Com afirmações do tipo "as escolhas vão ser minhas", "não haverá escolha por motivo partidário, só pela capacidade", e outras que tais, Fernando Henrique engrossou a convicção, difundida nos jornais, de que enfim as coisas seriam diferentes, e já do começo.
Mas nem os generosos abrandamentos e silêncios do noticiário conseguiram disfarçar a evidência de que só em quatro ou, se tanto, cinco casos Fernando Henrique fez escolhas propriamente suas –Sérgio Motta, Pedro Malan, Adib Jatene, Paulo Renato de Souza e, tolerando-se a inadequada denominação de ministério para o Gabinete Civil, Clóvis Carvalho.
Havia condições de afinal ser diferente? Havia, e muito semelhantes, por sinal, às que se ofereceram a Collor, para tão mau uso. O próprio Fernando Henrique, mostrando-se aberto às pressões que o experimentavam, reinstaurou o jogo político convencional. E não é aceitável a explicação de que o fez para angariar base no Cogresso. Collor escolheu à sua maneira e nem por isso lhe faltou base para aprovar até o assalto à poupança e às contas bancárias. Além disso, a inclusão de José Serra no ministério, à última hora, por pressão de industriais paulistas que o queriam no lugar do já indicado Malan, deixou claro que o problema era mais em relação a pressões do que à estratégia política.
O primeiro mês de governo já foi descrito como "de pasmaceira". A única inovação foi a Lei de Concessões. Mas a primeira concessão da lei foi de Fernando Henrique, cedendo a alterações do original já à primeira resistência surgida no Congresso. À crítica "de pasmaceira" pode-se objetar, porém, que Fernando Henrique advertira para a inexistência de medidas de impacto, substituídas por "um processo" e pela "continuidade do que vinha sendo feito".
Se no plano dos atos só não foi assim porque não houve medidas de impacto nem sem impacto, no das palavras foi o oposto. Bresser Pereira e José Serra lançaram-se na produção de um terrorismo injustificável, de afirmações impensadas e logo insustentáveis. A intervenção esboçada por Fernando Henrique mostrou-se sem autoridade para conter os dois, e quem silenciou foi ele. A contribuição de Serra e Bresser para negar a "pasmaceira" foi grande, mas gerou efeitos muito piores.
O anúncio de veto ao mínimo de R$ 100 e aprovação da anistia às duas dúzias de lucenas encorpou a "nuvem de decepção", mas não foi determinante. A nuvem já era bem perceptível antes destas decisões que parecem contraditórias e, no entanto, inscrevem-se com perfeição na peculiaridade que Fernando Henrique transmite ao governo. A insatisfação com o veto ao mínimo não leva a confronto direto com ele. Dissemina insatisfação, críticas, protestos –à distância. O veto à anistia o confrontraria com contrariedades cara a cara, com prsssões ali na sua frente. O rápido anúncio da aprovação da anistia poupou-o da situação com a qual não convive bem.
Há pouco, um conhecido jornalista dizia a um deputado importante, falando de Fernando Henrique em relação a certo problema administrativo: "Bastam três artigos apertando ele, e pronto, ele cede". Não precisou chegar ao terceiro. No dia mesmo do segundo, foi convidado a Brasília para uma conversa informal, do tipo vem-cá-meu-bem. Este episódio tem sido citado em círculos políticos e empresariais como síntese da dificuldade de Fernando Henrique em lidar com pressões diretas. Sejam de que natureza forem.
Quando ministro da Fazenda, Fernando Henrique definia a posição do governo e Itamar Franco a bancava. As pressões incômodas recaíam sobre o presidente. Daí vinha a força de Fernando Henrique. Agora o presidente é Fernando Henrique. E bancar definições, até o fim, contra pressões não está no seu feitio. O feitio de "um conciliador", como ele se diz, dando à palavra um sentido algo mais extenso do que ela merece. E dando ao governo a peculiaridade que já no primeiro mês ficou insinuada –sob a "nuvem de decepção".

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