São Paulo, terça-feira, 31 de janeiro de 1995
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A volta do cartel aéreo

LUÍS NASSIF

Em 1989 a Conferência Nacional da Aviação Civil (Conac) demonstrou a viabilidade de se abrir o mercado brasileiro de aviação, permitindo a competição no setor. Eliminou as amarras que engessavam a aviação regional e, em poucos anos surgiram várias companhias novas –a TAF, de Fortaleza, a Abaeté, de Salvador, a Pantanal, de São Paulo, a Helisul, do Paraná etc. No charter surgiram a Airvias e a Skyjet.
A desregulamentação também abriu espaço para o exercício da iniciativa e da criatividade, permitindo a três empresas médias –a TAM, a Taba e a Rio-Sul (controlada pela Varig)– ampliar sua frota de jatos consideravelmente.
Para os usuários, os benefícios foram tremendos. Pela primeira vez em muitas décadas, teve-se a disputa pela qualidade nas médias empresas –enquanto as velhas beneficiárias do modelo fechado permaneciam inertes.
O que ocorre agora é uma regressão enorme no setor, patrocinada pelo ministro da Aeronáutica, Brigadeiro Gandra e por bancos oficiais.
Numa ponta, o brigadeiro vem gradativamente fechando o mercado, permitindo a reconcentração do setor. Dias atrás autorizou a Rio-Sul (cujo capital pertence em 99% à Varig) a compra da Abaeté, sem que o Cade (Conselho Administrativo de Direito Econômico), se manifestasse.
A Câmara Setorial do setor –cujo objetivo deveria ser o de fechar um pacto de reestruturação entre empresa e funcionários– serviu apenas de álibi para se jogar mais dinheiro no buraco.
A Vasp dá calote diário no Banespa e na Receita. E seus proprietários adquirem o Hotel Nacional, de Brasília, e anunciam a aquisição de empresas estrangeiras. A Varig obteve US$ 400 milhões dos bancos oficiais –US$ 250 milhões do BB e US$ 150 milhões do BNDES– e sua controlada, Rio-Sul anuncia a compra da Abaeté.

Dinheiro da viúva
Não se fala em reestruturações, porque a viúva garante, e a Varig sabe como agradá-la. Em parte, por esgrimir interesses regionais ou pretensamente militares. Em maior parte, porque tem a poderosa moeda de troca –a oferta irrestrita de passagens internacionais.
Recentemente, por exemplo, brindou o presidente do Senado, Humberto Lucena –e família–, com viagem internacional a Paris, com tudo pago –inclusive limusines para translados. Jamais esse tráfico de favores foi exposto à luz do dia, porque revelaria entre os beneficiários centenas de parlamentares, autoridades e jornalistas.
É só essa influência política que pode explicar a operação de financiamento à Varig concedida pelo Banco do Brasil.
O BB repassou para a Varig US$ 100 milhões em bônus de passagem da dívida externa e US$ 150 milhões em IDUS. No total US$ 250 milhões, pela qual a empresa pagará módicos 4% ao ano.
Na mesma ocasião, se tivesse negociado os títulos pelo seu valor de mercado e adquirido T-bonds americanos para garantia do principal, o lucro financeiro da Varig com a operação seria de US$ 60 milhões.
Na verdade, a conta do prejuízo é apenas hipotética, porque não existe no mercado preço para financiamentos de prazos tão longos e nas condições oferecidas. Em relação ao bônus de conversão, até o ano 2004 a Varig se limitará a pagar juros de 4% ao ano, e nenhum tostão de amortização. Em relação aos IDUS bond, nos três primeiros anos limitar-se-á a pagar 1% ao ano de amortização, depois nos três anos seguintes 2%. E assim sucessivamente.
Os prejuízos para o BB foram evidentes. Primeiro, pelo custo de oportunidade. No mercado, o BB obteria US$ 183 milhões pelos US$ 250 milhões emprestados. Para receber de um cliente comum o mesmo que receberá da Varig daqui a 204 meses, emprestando a 20% ao ano, bastaria ao BB dispor de US$ 143,5 milhões. A diferença para os US$ 183 milhões corresponde ao subsídio concedido à Varig.
Além disso é uma operação de alto risco. Apenas uma diretoria irresponsável –como a que presidiu o BB na gestão Alcir Calliari– se disporia a substituir em seu ativo títulos com garantia do Tesouro, por créditos de alto risco para uma companhia que nos últimos anos exibiu os resultados da Varig.
Aviação civil é questão econômica –não militar. Faria bem ao país e às próprias companhias, se o presidente da República desmilitarizasse de vez esse setor, e o tirasse das mãos incompetentes e paternalistas do Departamento de Aviação Civil.

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