São Paulo, terça-feira, 31 de janeiro de 1995
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Roterdã exibe versão restaurada de Tati

LEON CAKOFF
ESPECIAL PARA A FOLHA, DE ROTERDÃ

A projeção de uma cópia restaurada e colorida de "Jour de Fête", de Jacques Tati, foi o grande acontecimento do fim-de-semana no 24º Festival Internacional de Cinema de Roterdã.
"Não fosse o centenário do cinema, nós não teríamos conseguido os meios financeiros para apresentar esta versão colorida do filme, exatamente como meu pai havia concebido em 1947", disse Sophie Tatischeff, a filha do grande cineasta francês, presente à premiere internacional do filme.
"Jour de Fête" foi rodado em 1947 com duas câmeras. A primeira, experimentando um obscuro processo de filme colorido chamado "Thomson", patenteado na França desde 1907. A segunda câmera, só por segurança, registrou a mesma comédia com negativo em preto-e-branco.
A versão que chegou ao público pela primeira vez em 1949 foi em preto-e-branco. Tati não conseguiu processar, como mais queria, a versão colorida. O resultado da versão colorida lembra mais filmes americanos dos mesmos anos 40 que agora são colorizados em computadores para passar na televisão.
Sophie Tatischeff disse que herdou a teimosia do seu pai: "Poucos anos antes de morrer (em 1982) ele me pediu para jogar fora a caixa que continha esta sua tentativa de fazer um filme colorido. Sem ele saber, eu não o obedeci e terminamos a faxina nos seus arquivos sem que ele se desse conta que eu continuaria guardando o material que misteriosamente continha cores. O pior é que olhando para o filme contra a luz tudo continuava parecendo preto-e-branco..."
Tati aparece no filme como um carteiro vítima de brincadeiras de uma aldeia num dia de quermesse. Depois que o fazem ver numa tela improvisada de cinema os progressos dos correios americanos, com inovações absurdas e improváveis, seu personagem decide agilizar o ritmo do seu trabalho e dá ao seu instrumento de trabalho –uma velha bicicleta– a dinâmica dos tempos modernos.
O carteiro não se conforma que os americanos estejam à sua frente. O sentimento anti-americano, primitivo de dar dó, confunde-se com a obstinação igualmente primitiva do cineasta daquele tempo em não dar chances às inovações propostas pelo cinema de Hollywood com o seu "technicolor".
"Tati queria evitar com a sua teimosia a invasão do cinema francês pelos sonhos americanos de progresso. Por isso a sua insistência em filmar em cores um processo tão impossível, o que foi uma tentativa de marcar a sua carreira justamente com o seu longa de estréia", revelou Sophie Tatischeff.
O responsável pela descoberta do segredo do processo "Thomson" foi François Ede, conhecido por suas ousadias como cameraman de Raul Ruiz, cineasta chileno radicado na França.
A primeira projeção pública de "Jour de Fête" fora da França foi precedida pela exibição do curta "Zoo", igualmente restaurada, do veterano cineasta holandês Bert Haanstra, 79. "Zoo", de 1961, um estudo sobre o comportamento humano diante das jaulas e os animais do zoológico de Amsterdã, costumava ser exibido como complemento de filmes de Tati.
Haanstra foi também um dos principais colaboradores de Jacques Tati. Ao final da projeção, com aplausos emocionados da platéia para a filha de Tati é Bert Haanstra, o veterano cineasta holandês pergunta-me emocionado na saída do cinema o que havia achado dos filmes e arremata: "Pena que não se faz mais filmes assim!"

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