São Paulo, segunda-feira, 2 de outubro de 1995
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As origens de Darwin

NELIO BIZZO

restrito e bem definido, teriam maior eficiência reprodutiva. Os enormes e inertes artesãos da ordem feudal do Cretáceo haviam sucumbido pelo próprio peso da falta de qualificação biológica. Generalistas biscateiros, tinham pago o preço da ineficiência, sendo extintos pelo meticuloso escrutínio da seleção natural. Enormes e monstruosos fósseis, isso era tudo o que deles restara. Mamíferos e seus hábitos peculiares, aves e seus bicos grotescos, peixes e seus coloridos exóticos, insetos e seus disfarces fascinantes, essas eram as profissões especializadas da Nova Era, do Holoceno Industrial, da grande indústria da Natureza. Estava explicada a origem das espécies. Estava desatada a última amarra que impedia ``Origem das Espécies" de ver a luz do dia.
A tradução brasileira merecia cuidado maior para com uma obra tão meticulosa. Por exemplo, a passagem acima (pág. 440) teve seu sentido invertido, como se Milne-Edwards ``usasse a expressão mais do que os economistas". As oficinas (``workshops") foram traduzidas por ``laboratórios", o que destrói a sutileza da metáfora da indústria. Edward Forbes ganha uma ``cadeira de História Natural em Edimburgo", mas morre pouco depois, tendo realizado seu sonho de conseguir o cargo de ``prefeito de Edimburgo". No livro, farmacêutico é químico, glóbulos vermelhos viram corpúsculos sanguíneos, ``college" é colégio, ``to lay eggs" é espalhar ovos, ``sixpence a time" é 6 pence por hora, 1858 é 1885, ``coming round" é tomando o mesmo bonde, ``boxes crushed and intestines hanging out" (se referindo a pacotes postais com carcaças de pombos e suas vísceras dependuradas) são caixas abarrotadas com o interior aparecendo, ``living species" (em oposição às extintas) são espécies vivas. ``A Living Grave", o capítulo 35, é ``Vivendo Num Túmulo", exceto na página 553 e nas notas, quando renasce como ``Agonia". ``Extremo Limite do Mundo", o capítulo 20, ganha um erro ortográfico nas notas.
No entanto, mesmo isso e a falta das necessárias notas do editor (que não pode acreditar que o leitor brasileiro saiba tanto quanto os ingleses sobre Westminster e Windsor, polegadas, pés e acres) passam a ser pouco frente a supressão da bibliografia e do índice remissivo. As abreviaturas que aparecem nas notas (como DAR, CCD, ED) estão na bibliografia, que sumiu na edição brasileira. Essas ferramentas transformam esta biografia épica numa verdadeira enciclopédia de consulta rápida, além de rica fonte de indicações bibliográficas.
Devemos torcer por maior cuidado nas próximas edições, esperando que o livro completo esteja finalmente disponível. Seria uma sensível reverência para a obra de um homem que se manteve longe da ação dos vermes do tempo. Darwin foi sepultado na Abadia de Westminster, perto de Newton e Lyell, longe do pequeno cemitério de Downe. Sua vida e sua obra renascem a cada página de ``Darwin".

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