São Paulo, segunda-feira, 2 de outubro de 1995
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Longa vida, eterna crise

BENEDITO VIEIRA PEREIRA

A pecuária leiteira paulista está a um passo de retroagir aos seus primeiros tempos, em que a atividade ressentia-se de investimentos em novas tecnologias de manejo e produção, do mesmo modo que não havia preocupação com a melhora genética dos rebanhos.
Todo o esforço direcionado a ganhos de produtividade comparáveis aos melhores padrões internacionais está caindo por terra devido aos últimos acontecimentos no setor leiteiro. Para chegarmos a essa situação preocupante bastaram juntar-se os interesses de grandes multinacionais das indústrias de laticínios e de embalagens, que convergiram suas estratégias para a massificação do consumo do chamado ``leite longa vida" no mercado brasileiro.
Para isso, aproveitaram-se da oferta de leite de produtores safristas, que vendem sua produção a preços irrisórios pelo fato de estarem distantes dos grandes centros de consumo e também por possuírem rebanhos vocacionados à pecuária de corte. Outra fonte de alimentação dessa indústria é o leite importado de países onde existe a prática de subsídio governamental, que chega ao Brasil, muitas vezes, por meio do Mercosul, driblando nossas alíquotas compensatórias e, por isso, a preços inferiores aos nossos custos de produção.
É notório que na produção do leite esterilizado (longa vida), a qualidade da matéria-prima é fator secundário. O processo de uperização a que o leite é submetido elimina grande parte de suas vitaminas e proteínas, exterminando ainda todos os lactobacilos.
Com oferta abundante de leite de qualidade inferior, o prejuízo recai sobre a pecuária leiteira paulista -boa parte dela formada por produtores especializados-, pois apenas 10% do leite longa vida consumido pela população paulista é produzido em território paulista. Como não bastasse esse fato para desestimular o produtor especializado de São Paulo, recentemente o próprio governo estadual tratou de agravar o problema ao reduzir a alíquota do ICMS para o leite longa vida de 18% para 7%.
E agora ameaça cometer um verdadeiro crime contra a população carente de São Paulo, caso atenda ao lobby de poucas empresas que pretendem ver o leite longa vida substituindo o leite pasteurizado nos programas sociais do governo paulista.
As entidades representativas dos produtores e grande parte das indústrias de beneficiamento de leite pasteurizado do Estado de São Paulo já alertaram as autoridades estaduais para a gravidade da situação. De um lado, o governo estadual pune a si próprio com uma inexplicável renúncia fiscal da ordem de R$ 3,5 milhões mensais, beneficiando produtores de outros Estados e do exterior; de outro lado, ameaça alijar os produtores paulistas da participação nos seus programas de distribuição de leite à população carente de São Paulo. Esta segunda medida, caso venha a ser adotada, pune ainda mais cruelmente as milhões de pessoas que terão de trocar a qualidade nutricional indiscutível do leite pasteurizado pelo leite longa vida, comprovadamente de qualidade nutricional inferior.
No próximo dia 4 de outubro será realizada uma nova reunião da câmara setorial do leite, órgão da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo. E mais uma vez, por meio do presidente dessa câmara setorial, Jorge Rubez, o governo estará sendo alertado para o mal que vem praticando contra a pecuária leiteira paulista.
Tememos que nossos alertas sejam ignorados pelo secretário Antonio Cabrera e, mais que isso, tememos pelo efeito que esse poderoso lobby do leite longa vida possa provocar na própria representatividade da câmara setorial.
Esperamos que o governador Mário Covas, de uma vez por todas, reflita sobre a situação e adote uma posição coerente com os interesses de seu governo, dos pecuaristas e da população paulista. Caso contrário, o governo estará fazendo sua opção: leite longa vida e eterna crise na pecuária de São Paulo.

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