São Paulo, segunda-feira, 2 de outubro de 1995
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A lógica do desemprego

LUÍS NASSIF

É de uma lógica extraordinária essas tentativas de se atribuir a atual onda de desemprego no país a uma tendência mundial, decorrente dos ganhos de produtividade com a automação. E nenhuma responsabilidade aos juros.
Os Estados Unidos enfrentam o problema do desemprego estrutural. A Europa também. Logo, se inserem na tendência mundial duas ou três centenas de trabalhadores desempregados no Brasil em apenas dois meses.
Vamos tentar entender essa lógica.
Primeira questão -No ano passado, a atividade econômica cresceu e o número de empregos aumentou no Brasil. Neste ano, a atividade econômica caiu e aumentou o número de desempregados. Pergunta: existe relação direta entre o nível de atividade econômica e o nível de emprego?
No ano passado não existia essa tendência mundial ao desemprego? É claro que existia. E o nível de emprego aumentou no Brasil? Aumentou, porque a atividade econômica melhorou graças ao Real. Se a melhoria da atividade econômica gera mais emprego, é óbvio que a piora da atividade econômica gera menos emprego.
Portanto -respondendo à questão acima-, existe relação direta entre nível de atividade econômica e nível de emprego.
Segunda questão -As autoridades econômicas diziam que o ritmo de crescimento da economia ameaçava a estabilidade de preços e o nível das importações. E que era importante reduzir o nível de atividade por meio da política de juros. Por que isso ocorria, e de que maneira os juros ajudaram a resolver essa questão?
Quando as vendas aumentam muito rapidamente, a produção não consegue acompanhar no mesmo passo. Com a procura sendo maior que a oferta, há uma pressão para aumentar preços e salários, gerando uma nova espiral inflacionária e um aumento de importações para suprir a falta de produtos internamente, aumentando os desequilíbrios da balança comercial.
O objetivo da política monetária é reduzir a atividade econômica para diminuir essas pressões.
Terceira questão -Se a política monetária visa reduzir a atividade econômica (conforme demonstrado na segunda questão) e se a atividade econômica guarda relação direta com o emprego (conforme explicado na questão um), como é que se pode afirmar que os juros influem na atividade econômica e não têm nenhuma responsabilidade no nível de emprego?
Se a política de juros não tem nenhuma responsabilidade sobre a atual onda de desemprego, significa que também não tem nenhuma influência sobre o nível de atividade -já que uma depende da outra. Então, por que é mantida se é inócua?

Relevâncias
Há um desemprego estrutural que vem acompanhando a economia desde o início dos anos 90, quando ocorreu a abertura e as empresas em geral passaram por processos de reestruturação e de automação.
Processos estruturais são de longo prazo. Jamais podem explicar explosões de desemprego como as atuais.
A esta altura do campeonato, isentar a política de juros da atual onda de desemprego está fora de hora e de lugar. Tão fora de lugar como supor que a economia poderia continuar crescendo no ritmo em que vinha desde o Real.
A discussão relevante é saber se o aperto precisaria ter sido tão agudo quanto foi, se as taxas de juros precisariam ser tão elevadas, quanto estão. E passar-se a discutir maneiras de minimizar o desemprego estrutural -que é uma realidade concreta.

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