São Paulo, segunda-feira, 2 de outubro de 1995
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HÉLIO SCHWARTSMAN

SÃO PAULO - Na tentativa de compreender um pouco melhor as coisas em geral, dediquei alguns anos de minha vida ao estudo da filosofia, a mais excelsa das ciências humanas, ``o amor pela sabedoria". Aprendi um pouco de ontologia, epistemologia, sociologia, filologia, teologia e outras ``ias" de nome complicado e significado obscuro.
Foi tudo em vão. Procurar interpretar os fatos ocorridos em uma única semana no Brasil bastou-me para concluir que eu não entendo nada mesmo.
Enquanto autoridades econômicas e empresários travam uma discussão bizantina sobre se o país está ou não em recessão, milhares de trabalhadores são demitidos semanalmente ficando ainda mais pobres; e os mais ricos tornam-se ainda mais ricos por meio de uma taxa de juros imoral e criminosa. Um dos maiores e mais ricos empresários do Brasil chegou a declarar que investir é burrice. Ué, se trabalhador serve para trabalhar; estudante, para estudar; empresário serve para investir, ou não?
Um ministro disse que o real beneficiou os Estados. Ora, como todos sabem, São Paulo está quebrado e Alagoas já não paga servidores há seis meses.
Tem mais. Um juiz -talvez fosse semanticamente mais adequado classificá-lo por um outro nome- autorizou a PM a atirar em menores que tentem fugir de centro que abriga jovens infratores. Para o magistrado, se o menor morrer, o autor dos tiros não terá cometido crime.
Pensando bem, até que a decisão faz sentido. Outro dia, folheando o Código Penal e as leis que o complementam, fiz uma curiosa descoberta. Se eu matar alguém, posso pagar uma fiança e aguardar o processo em liberdade. Se eu matar um passarinho, fico enjaulado até o fim do processo. Muito justo.
Outra coisa que me intrigou foi ler que FHC decidiu assumir o comando das negociações com o Congresso. Ué, ele não deveria ter ``assumido o comando" no dia 1º de janeiro?
Parece que, no Brasil, não basta ter estudado filosofia para tentar entender as coisas. Será preciso instituir uma nova disciplina: a onisciência. O problema é que o único professor habilitado a ministrá-la é Deus, e duvido de que Ele tope virar professor com esses salários.
Há ainda outra hipótese aventada por Dostoiévski: ``Se não existe um Deus, então tudo é permitido". Taí. Talvez tenhamos chegado a uma explicação.

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