São Paulo, segunda-feira, 2 de outubro de 1995
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Sodoma e Gomorra

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO - Começam a crucificar o ministro Jatene por causa das contas que mandou pagar na rede pública da Saúde. Não acompanhei detidamente o caso, sei que o nosso sistema médico-hospitalar, oficial ou privado, é uma calamidade, deu um nó. A alternativa do ministro foi pagar operações indevidas em todos os sentidos, internações não havidas, doentes que extraíram cinco vezes o único apêndice, homens que fizeram cesariana, mulheres fantásticas que vieram equipadas pela natureza com três úteros e uma dúzia de ovários.
A decência administrativa mandaria fechar os hospitais e ambulatórios mantidos pelo governo. Pior do que em Sodoma e Gomorra, onde pelo menos havia um justo, nesse departamento não há um Lot para merecer a exceção. Parece que todos são culpados de superfaturamento.
Alguma coisa de abominável ocorreu com a saúde no Brasil. Não falo da mortalidade infantil nem do número de doenças já domesticadas em outros países até mais pobres, como Cuba, por exemplo. A rede particular também apresenta uma anomalia que só pode ser explicada pelo superfaturamento e pela ganância.
Tenho um conhecido -de quem aliás não gosto e para o qual rogo todas as desgraças possíveis- que necessita de um tratamento realmente caro. Se resistir até o fim do ano -essa calamidade poderá acontecer- será internado numa clínica do Primeiro Mundo, pagando um depósito de apenas US$ 25 mil.
No Brasil, a mesma internação numa birosca que só de olhar já causa infecção hospitalar, custaria US$ 40 mil para o sujeito ir, de maca, do quarto até o centro cirúrgico. Se precisar da cirurgia, tudo bem, começam a rolar as despesas da operação.
Se não precisar da operação, poderá voltar para casa, mas só receberá o saldo do depósito depois de 15 dias. Detalhe: 15 dias úteis, o que dá quase 20 dias inúteis. Bem, é um exemplo de quem pode pagar. Na rede oficial, a contabilidade do lucro é semelhante, só que quem paga é o governo, ou seja, o ministro Jatene -até o dia em que ele perder a paciência e pedir o boné.

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