São Paulo, terça-feira, 3 de outubro de 1995
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Um negócio com a dívida

FERNANDO RODRIGUES

É incrível como alguns assuntos deixam de causar espanto nas pessoas.
A dívida externa brasileira é um desses temas que parece estar completamente relegado ao oblívio. Só por curiosidade, saiba o leitor que os papéis da dívida brasileira comercializados no mercado secundário em Nova York registraram valorização de até 11,07% no mês passado.
No mesmo período, uma caderneta de poupança no Brasil rendeu 2,44%.
O papel da dívida é como um papagaio assinado pelo governo federal. Alguns vencem só no ano 2024. Enquanto isso, passam de mão em mão, sempre com algum deságio.
Quanto mais os especuladores acreditam no Brasil, mais sobe o preço dos papéis da dívida externa. Esse é o principal motivo para a valorização. Mas não é o único.
Essa papelada passa a valer mais toda vez que os especuladores percebem alguma utilidade extra para ela. Foi o que o governo federal sinalizou na sexta-feira: vai permitir o uso de alguns papéis da dívida externa na compra de empresas estatais.
Por exemplo, um investidor telefona para seu corretor em Nova York e compra US$ 100 milhões de papéis da dívida. Paga, digamos, apenas US$ 70 milhões. Traz os papéis para o Brasil e os utiliza na compra de uma estatal.
Só que, na hora de pagar pela estatal que está sendo privatizada, os papéis comprados por US$ 70 milhões entram com valor integral, de US$ 100 milhões. Alguém ganha US$ 30 milhões.
Tivesse acontecido durante governos anteriores, essa nova modalidade de compra de empresas estatais -com papéis da dívida- seria fuzilada. Agora, passa apenas como mais uma tentativa de o governo federal melhorar a imagem do Brasil no exterior.
Felizmente, há confusão sobre a decisão. Enquanto o ministro Pedro Malan (Fazenda) anunciava a medida, a diretora de desestatização do BNDES, Elena Landau, dizia algo diferente.
Segundo Landau, só será aceito dinheiro na venda de estatais. Landau, subordinada de José Serra, atribuiu ontem o problema a um erro de comunicação.
Afinal, qual é a regra que vale: a de Malan ou a de Serra?

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