São Paulo, sábado, 7 de outubro de 1995
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A "flexibilização" e o IPMF da saúde

JAYME ALÍPIO DE BARROS

Embora dicionários mais antigos e a recente edição do Aurélio/Folha não registrem a palavra, a ``flexibilização" virou moda, objetivo político e instrumento de marketing dos administradores públicos federais. Buscam eles, com objetivos de política econômica, ``flexibilizar" todo o sistema jurídico nacional, a partir das já propostas ``flexibilizações" de textos de uma Constituição recente, com apenas sete anos.
A nova palavra, que pode ser conceituada como o ato ou o efeito de tornar flexível, ou ``com aptidão para várias coisas", ``que não mantêm integridade", qualidade essa nem sempre desejável nas leis, surgiu com a intenção de mudar a Constituição e o sistema tributário, pretensamente ``rígidos", para torná-los dóceis à vontade legiferante dos servidores do Executivo.
Em lugar de ``flexibilizar", impõe-se ao legislador a tarefa da securização, ou de assegurar à sociedade brasileira um conjunto de normas estáveis, conhecidas, destinadas a proporcionar a cada indivíduo o maior grau possível de garantia jurídica. Para planejar, investir, é necessário conhecer com certeza o direito -como o índice de correção monetária, a taxa efetiva de juros contratada e o exato valor devido.
Intenta-se agora o retorno, a partir de uma ``flexibilização provisória" da Constituição, do IPMF, que voltaria, já em 1995, apelidado de ``contribuição social". Novos impostos não podem, porém, ser exigidos no ano em que haja sido publicada a lei que os instituiu, e contribuições sociais só podem ser cobradas, apenas de empregadores e de empregados, sobre a folha de salários, o faturamento e o lucro, não sobre o valor simples de cheques.
A CMF será inegavelmente um novo imposto, sobre o patrimônio ou a renda presumida, com receita vinculada à despesa, o que a Constituição também proíbe; chamá-lo de contribuição, e não de imposto, é juridicamente irrelevante. A cobrança desse tributo no corrente ano, em evidente contrariedade ao princípio da anualidade, representará também contrariedades à norma constitucional que veda deliberações do Congresso Nacional tendentes a abolir os direitos e garantias individuais.
Lamente-se que o Legislativo, ``flexibilizado" pela pressão política do Executivo, continue omisso, não se preocupando com a correção dos graves e constantes erros jurídicos dos redatores dos novos textos. De forma apenas indireta, ou por nova omissão, os parlamentares poderão até mesmo pôr fim ao sigilo bancário, já que não se poderá negar, depois da cobrança da CMF, o direito do fisco de conhecer os nomes dos correntistas contribuintes e o exato valor de cada desconto feito na conta bancária.
Na área da receita e da despesa pública, que precisa ser contida, inclusive pela redução das taxas de juros decretadas pelo Executivo, o Congresso Nacional ainda tem muito a realizar; poderia, até, criar o mesmo desconto compulsório em pagamentos feitos por cheque, como simples adiantamento do imposto de renda que tantos não recolhem e passariam a pagar.
Continuam injustificáveis, porém, o reiterado e simples ``aprovo" do Congresso Nacional em propostas do Executivo, quando evidentemente contrárias ao Direito, ou à certeza deste, e a omissão do Legislativo quanto ao abuso na reedição de sucessivas leis ``provisórias", ou incertas, geradoras de insegurança.

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